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Janeiro Lilás: a importância de reafirmar os direitos de pessoas trans

Mês da Visibilidade Trans acende debates importantes sobre direitos básicos da população trans



Desde o ano de 2004, é comemorado em janeiro o mês da Visibilidade Trans. O mês é sempre marcado por ações com esse foco. A data, 29 de janeiro, foi escolhida, pois neste dia, foi organizado em Brasília um ato nacional com a campanha "Travesti e Respeito". A data foi um marco na história na luta por direitos e do movimento contra a transfobia.


Foi intitulado como o Mês Lilás, e toda a iniciativa é em busca da sensibilização da sociedade para haver mais conhecimento e reconhecimento das identidades de gênero.


Segundo dossiê da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), o Brasil continua liderando o ranking de países que mais matam pessoas trans no mundo.


Conversamos com algumas pessoas trans e especialistas para entender o que elas passam no dia a dia sendo pessoas trans no Brasil.


Rolland de Oliveira, psicólogo formado pela Universidade de São Paulo, Psicólogo Clínico com especialização em saúde pública, especialista em Psicologia Hospitalar, como psicólogo junguiano e terapeuta corporal. Desde 2013, tem atuação exclusiva clínica, no atendimento à população em vulnerabilidade social no geral. Para ele, "a maior dificuldade para relatar qualquer questão atual é a questão do binarismo político que entramos. Ainda estamos em uma rabeira, espero que seja uma rabeira de uma grande divisão da nossa população que pega certos temas como uma questão ideológica e não como uma necessidade de atenção a saúde e aos direitos. Acredito que esse seja o maior desafio, lidar com esse binarismo que muitas vezes faz esquecer que estamos lidando com pessoas. Com pessoas que, assim como toda e qualquer pessoa, precisa ter um atendimento de saúde ou precisa de um atendimento de questões legais que seja compatível com as questões que apresentam para essas pessoas".


Rolland de Oliveira também ressalta que "Muitas vezes, esses materiais afastam a população trans de procurar um atendimento, procurar uma atenção ou procurar um grupo, qualquer coisa relacionada a esses temas porque teme lidar com situações de preconceito, de incompreensão, então a importância seria acolher essas pessoas para uma questão de saúde geral, nesse sentido, para que essas pessoas recebam toda a atenção".


Para ele, a importância do acompanhamento é universal: "aprender a lidar com questões tanto do passado, presente, assim como pensar em questões para o futuro. Um espaço para que a pessoa desenvolver a sua autonomia psíquica e seu autoconhecimento. Possa trazer conflitos que sejam difíceis de serem verbalizados em outros ambientes, encontrar acesso a sua voz própria e seu pensamento próprio, ou seja, qual a sua forma de pensar e resolver problemas. Também o espaço de atenção psicológica, ele pode ser um espaço preventivo, se começamos a resolver uma questão antes dela se agravar em uma questão psicológica mais profunda, mais grave e mais constante, então, tem aí, também, uma questão preventiva".


Bandeira do Orgulho Transgênero

Para Aster, não-binárie, que se identifica mais especificamente "inavire lichtgênero", que faz parte da administração do orientando.org, um site com informações básicas sobre identidades LGBTQIAPN+ e colorides, uma instância de Mastodon focada em pessoas LGBTQIAPN+, além de outras iniciativas de aprendizagem e interação focadas na comunidade, "A falta de direitos de pessoas trans se dá obviamente pelo cissexismo. Grande parte da sociedade cis não simplesmente vê a designação de gênero ao nascer como uma adivinhação que até pode dar certo na maioria das vezes, mas sim como algo tão fundamental ao ser humano que é como se qualquer pessoa questionando isso estivesse cometendo uma grande ofensa, talvez até uma grande violência contra tudo e todes. Não há consequências negativas para queda do cissexismo de um ponto de vista cujo objetivo é a inclusão social".


Para elz, a omissão de pessoas trans quando se discute sobre saúde sexual e reprodutiva é uma questão séria: "Daí tem os casos das pessoas cis que ou querem evitar pessoas trans a qualquer custo por conta de estereótipos relacionados a genitálias, ou fetichizam e vão atrás de pessoas trans, de forma que também estão reduzindo a pessoa à genitália. A serem pessoas que, ao mesmo tempo, remetem ao desejo da pessoa por certo gênero binário, mas que, ao mesmo tempo, não tão tendo suas identidades de gênero respeitadas dentro dessa relação".


Aster | Créditos de imagem: Arquivo pessoal.

Aster também ressalta a questão de que, sempre que se fala de assuntos específicos a certas corporalidades, como menstruação, gravidez, câncer de próstata e outros.


"Ainda há a impressão de que pessoas com certa corporalidade sempre vão ter certo gênero, e também de que pessoas que possuem níveis altos de certo hormônio sempre vão ter certa genitália. Isso afasta muitas pessoas cisdissidentes de querer interagir com esse tipo de informação, porque esse tipo de exclusão é desconfortável e danosa", completa Aster. "A população trans brasileira é grande e diversa. Existem questões que são urgentes a curto prazo, como a quantidade de pessoas trans desempregadas ou em situação de rua. Mas também existem questões como a educação e desmistificação sobre pautas trans que também acaba sendo fundamental para existir um bem-estar trans a longo prazo nos mais diversos espaços".


Sobre sua própria jornada pessoal, Aster conta: "Quando me abri para meu pai sobre ser não-binárie, ele teve uma reação neutra. Simplesmente aceitou tudo, e só reclamou da questão de mudar meu nome por conta da burocracia, falando que não valia a pena, pelo trabalho. (Acho que valeu) Eu me surpreendi em como nunca errou meu conjunto de linguagem, corrigiu minha avó sobre meu nome novo e nunca me questionou sobre ser uma fase. Acho que mais gente que vê cisdissidência ou neolinguagem como 'difícil demais' ou como 'uma novidade' poderia agir dessa forma".


Juliana Pereira Damasceno Vasques, jonalista desde 1995, em 2014 decidiu estudar psicologia e já havia decidido que a temática LGBTQIAP+ seria o seu campo e trabalho. Mestranda em Estudos da Condição Humana pela Universidade Federal de São Carlos, Membro da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual, voluntária no projeto Íntegra, um projeto de mediação e acolhimento psicológico na Primeira Vara de Família, tem dois anos de pesquisa científica e atendimento à população trans em um projeto que era do Ministério da Saúde (PROADI - SUS).


A jornalista e psicóloga Juliana Damasceno | Créditos de imagem: Arquivo pessoal.

Juliana enfatiza: "Quando você trabalha junto a essa população, é impossível parar de estudar, de se atualizar. O que posso dizer, baseado no meu trabalho na clínica, leituras e estudos mais recentes que tive acesso é que a nossa luta ainda está muito longe do fim. Ela é constante, ela é diária, isso porque, além da falta de acesso, um olhar adequado para a saúde desse grupo, a gente precisa combater diariamente o desconhecimento e a nossa, e eu me incluo nisso, falta de educação. Sobre esse tema, a gente primeiro precisa pensar que os nossos conteúdos de diversidade, foram reduzidos a uma 'ideologia de gênero', que foi massivamente atacada nos últimos anos da política brasileira com o extermínio de políticas públicas junto aos órgãos de saúde, o desmonte de projetos de pesquisa nessa área.

De iniciativas de saúde multidisciplinar, além disso, há de se trabalhar novamente para conversar e esclarecer à população, especialmente aquela que se tornou refém dessas narrativas, desses discursos radicais, das fake news, que a gente não está falando de uma teoria construída para destruir a 'família brasileira'. Mas sim de uma realidade baseada nas diferenças, tentando promover essa mudança de valores e principalmente esse olhar mais empático para esse grupo, cidadão, que, entre trans, travestis e não-binários a gente estima ter uma representação que hoje pode chegar a 2% da população brasileira. Então, é muita gente ainda a ser cuidada e assistida com todo respeito que merece ter de fato".



"Acredito que, mais do que discutir essas pautas, a gente também precisa elaborar um conjunto de políticas que proporcionem uma saúde completa para esse grupo de pessoas, antes de qualquer coisa. E distinguir isso de uma tendência medicalizadora, que apenas enquadra trans e travestis, especialmente, no direcionamento à hormonização, às cirurgias, que não deveria ser uma regra caso não seja um desejo real do sujeito. Se identificar com um gênero diferente daquele sendo atribuído ao nascer não deveria ser nunca um transtorno ou uma questão, mais sim uma alavanca para a gente pensar em um sistema mais eficiente e amplo de serviços de saúde completo para essas pessoas. Mulheres e homens, que sejam acompanhados desde o início de sua transição, por um corpo mais preparado de especialistas que o assistam, que a assistam, e assistem. Desde um endócrino, ao urologista, ao ginecologista, do psicólogo ou ao psiquiatra, se necessário, que sejam respeitados desde o momento de chamá-les pelo nome social, desde quando pisem pelo consultório pela primeira vez. Nas clínicas, nos postos de saúde, esse respeito, esse cuidado, já começa aí. Que tenha uma rede de apoio familiar que também, inclusive, merece um olhar e uma atenção nesses momentos, até para combater essa desinformação e o preconceito a que muitos desses sistemas familiares estão sujeitos. É preciso reforçar o tempo todo a urgência dessa criação de políticas públicas mais sólidas, mais amplas também, que possam atingir um número maior de pessoas. As filas são imensas hoje em dia no sistema público de saúde. É claro que entendo que isso serve para toda a população, cis ou trans, deveria ser para todes, mas no caso da assistência de saúde às pessoas trans, ainda deixa bastante a desejar".



"Quando a gente fala em visibilidade trans, isso deveria passar longe da passabilidade como uma questão urgente, como muita gente acha. O sofrimento dessa população está diretamente ligado à violência, à incerteza incompleta de futuro, num país como o nosso. Pessoas trans e travestis basicamente resistem para simplesmente existirem. Ainda somos, vergonhosamente, o país que mais assassina pessoas trans e travestis em todo o mundo, a gente mata três vezes mais que o segundo colocado desse ranking devastador, que é o México".


Além da violência, Juliana ressalta outros assuntos que devem ser melhor abordados em sociedade: "Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a ANTRA, que, inclusive, talvez seja a única entidade ligada a causa que realiza o senso anual, que nem mesmo o Ministério da Saúde conseguiu produzir em todos esses anos, sensos voltados à violência, que crescem a cada ano, tristemente. Então, dentro dessas pautas urgentes, eu destacaria talvez o nosso enfrentamento diário a LGBTIfobia, como reagir a essas violências físicas, psicológicas, patrimoniais, a que essas pessoas estão sujeitas o tempo todo. Como a gente pode enfrentar esses problemas como uma questão de segurança pública em vez de ficar contabilizando os trans e travestis que são mortos e noticiados quase diariamente como uma casualidade na mídia. E outras questões que entendo serem pouco discutidas no dia a dia, tanto entre profissionais quanto em envolvidos. Como os profissionais do sexo, a alteração do nome do gênero que faz toda a diferença na vida dessas pessoas muito mais que a hormonização, talvez, muito mais que a cirurgia, talvez. Alistamento militar, a gente precisa falar sobre isso, a prevenção de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). As angústias dos homens trans, também, dos não-binários".


A jornalista e psicóloga ainda recomenda os documentos produzidos pela ANTRA, cartilhas de conscientização repletas de informação e de provocações que precisam vir ao debate público, precisam chegar às escolas, às famílias e ao mercado de trabalho também.


Levando em conta o Códico de Ética da Psicologia e tudo que aprendeu na área, Juliana declara: "Sempre entendi, particularmente, a psicologia como um instrumento de parceria dessa população e não para validar ou autenticar o sentido para elas, mas para auxiliá-las nessa experiência de vida, de existência, de uma forma mais saudável e mais plena. Nosso trabalho jamais deve ser no sentido do enquadramento, da caixinha, do reforço do binarismo, mas sim como um espaço de confiança, de acolhimento. Acredito e sempre acreditei que a nossa clínica precisa servir como um alento para as violações cometidas de todos os lados no dia-a-dia dessas pessoas, por familiares, na escola, na rua, na falta de acesso ao trabalho formal. A gente está falando de gente que lida diariamente com abandono, baixa autoestima, com estigmatização, com exclusão e esses pontos que abordei, eles constituem alguns dos muitos sofrimentos psíquicos a que essas pessoas são submetidas diariamente, expostas diariamente. E o nosso papel é compreender, praticar uma escuta limpa, profunda para que essas questões não se naturalizem. Inclusive, é uma situação social que pode provocar todos esses sentimentos muito mais até que a identidade de gênero, que mesmo diversa, não é um problema, não é doença como muita gente atribui, que fique bastante claro.

Esse entendimento precisa caminhar com as demandas desse grupo e eu acredito que a gente até avançou nos últimos anos em alguns pontos, mas a jornada ainda é muito longa, precisa e merece muita desconstrução, muita reflexão, muito debate e acima de tudo um protagonismo nas políticas públicas de saúde do Brasil".


Para mim, os maiores desafios é as pessoas não aceitarem os seus pronomes. As pessoas não precisam ter medo de quem elas são, elas só precisam se aceitar e os outros aceitarem as pessoas como elas são. Minha família aceitou super bem do jeito que eu sou.

— Verônica Carolina Silva Cecatto.


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