No Brasil, a literatura moderna vem cheia de novos desafios, desde a publicação até o reconhecimento de novas autoras. Reunimos depoimentos de escritoras nacionais que vêm lutando e conquistando mais espaço no mercado literário.
As livrarias físicas no Brasil sofreram com a crise econômica: uma pesquisa da ANL (Associação Nacional de Livrarias) aponta que em média a cada 3 dias, uma livraria fecha as portas.
Porém, houve um aumento significativo de 29,3% nas vendas de livros em 2022, em comparação ao ano anterior, o que pode ser reflexo da pandemia, que manteve mais pessoas em casa com tempo ocioso. Também se deve ao investimento de livrarias online nas novas mídias digitais, estratégia essa que muitos autores independentes têm aderido.
Nesse cenário, diversas autoras nacionais, de forma independente ou agenciadas, têm buscado mais espaço e reconhecimento, como é o caso de Luisa Geisler, que hoje mora em Albuquerque, nos Estados Unidos: "Desde pequena, fazia uns livros com ilustrações imensas que eu grampeava", a autora de 'Luzes de emergência se acenderão automaticamente' e de 'Enfim, capivaras' fala que o cenário literário brasileiro é muito rico, porém muito restrito. Luisa também ressalta que, por conta do machismo de algumas instituições, precisou mostrar o triplo de habilidade para ser vista como igual: "Não saberia dizer quantos anos da minha vida são dedicados à literatura", completa.
"A carreira de escritor é feita de altos e baixos", explica Aimee Oliveira, natural de São Gonçalo. "É uma jornada bem difícil viver de arte no Brasil, é bem complicado. Meu lançamento desse ano 'Ladeira abaixo' foi publicado mês passado e é o primeiro que eu tenho lançado por uma grande editora, mesmo estando no mercado e publicando fisicamente desde 2014". A autora de 'Mundos paralelos', 'Pela janela indiscreta' e 'Ladeira abaixo', conta que a caminhada de escritora brasileira é árdua, mas que tudo vale a pena quando se consegue concretizar esse sonho.
Camila Sodré conta que, para ser levada a sério, precisou separar a Camila escritora da jornalista: "Ser jovem e mulher no ramo já não é fácil, então senti a necessidade de separar totalmente [as profissões], isso não me fazia feliz, mas minha vida dupla (ou minha fase Hannah Montana, como gosto de brincar), me trouxe muitos frutos. Continuei publicando na internet e criei um grupo sólido, com milhares de pessoas incríveis".
Camila começou escrevendo em grupos de fanfictions e solidificou seu público por lá. Ela explica que, quando começou na carreira, foi muito hostilizada: quem escrevia fanfics era "menininha escrevendo para menininha", mas que não deixou-se abater: "Eventualmente, publiquei meu primeiro livro e a escrita também se tornou minha profissão, da qual eu me orgulho muito (sempre me orgulhei) e que jamais teria que ser segredo. É difícil viver de escrita no Brasil, eu mesma ainda não faço isso, mas seguimos lutando por mais e mais espaço".
A autora de 'Até parece fanfic' e 'À milésima vista' comenta sua felicidade com o resultado da última Bienal em São Paulo, pois as editoras estavam abrindo mais espaço para autores nacionais, e que ela acredita que esse seja o caminho: "Seguir dando voz a novos autores e a diferentes protagonistas (negros, indígenas, LGBTQIA+, entre outros). Nosso mercado tem escritores incríveis, de diversos gêneros, e essa valorização veio devagar, mas está ganhando proporções muito maiores". Ela pede para que o público leia mais os autores nacionais: "Não há nada mais gostoso do que ler algo e poder comentar com o autor a história, ganhar autógrafos e se sentir representado".
Clara Alves é escritora há mais de 10 anos, e comenta que, para ela, os livros podem sim mudar a vida de uma pessoa: "Primeiro porque mudaram a minha vida, segundo porque é um dos feedbacks que mais ouço de leitores. Recentemente, durante a Bienal, uma mãe no público declarou numa mesa que eu participava, que ler livros LGBTQIAP+ a ajudou a entender sua filha, a aceitá-la, e agradeceu a nós por escrevermos".
A SMADS (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) realizou uma pesquisa em 2020 que afirma que 63% dos jovens LGBTQIAP+ de 18 a 25 anos se sentem rejeitados pela família. E que apenas 59% dos jovens revelam sua orientação sexual para os familiares. Os livros podem ser uma porta para maior aceitação dessas pessoas, além de serem um alento para quem vive situações complicadas com a família.
A dona das obras 'Romance Real', 'Conectadas' e 'De repente adolescente' também fala da situação da mulher no meio literário: "Sinto que o mercado está mais aberto para a publicação de autoras mulheres, especialmente por ser um mercado cada vez mais ocupado por profissionais mulheres, mas ainda existe um preconceito muito grande com autoras mulheres e, principalmente o que elas escrevem". Clara comenta que sente que uma mulher, para ser valorizada, precisa escrever o que é chamado de "alta literatura" e que, mesmo assim, é necessário muito esforço para ser reconhecida. "Se nos desviamos disso, se focamos em literatura contemporânea, em comédias românticas, em romances YA… parece que nos tornamos menos escritoras. Que nossas histórias não têm relevância".
Camila Pelegrini é editora responsável pelo selo Inspirium (destinado a publicar literatura feito por mulheres inspiradoras), e autora de obras como 'Aos olhos de Zoe' e 'Sombras do medo', comenta um pouco sobre os desafios que encontra na carreira de escritora: "No nosso mercado é muito difícil ser apenas escritora, é necessário acumular atividades, fazer a divulgação, pensar estratégias, promover lançamentos independentes em alguns casos", ela completa: "Além disso, o trabalho "tradicional" que ocupa no mínimo 8 horas diárias, a casa, os relacionamentos da vida pessoal, o próprio momento particular. Sobra pouco tempo e ainda menos energia e disposição para escrever, que é onde o coração de fato reside".
A autora conta que lidar com essas dificuldades é um processo diário de aprendizado, que está sempre em frequente mudança e crescimento. Camila também é do time que pede por mais diversidade no mercado atual: "Precisamos de mais oportunidades, atenção e destaque que contemplem autores e protagonistas que fujam do padrão homem-branco-cis-hétero." Ela afirma que as pessoas querem e precisam de histórias que representem diferentes sonhos e experiências: "Precisamos de atenção e espaço para mulheres que desejam se identificar com um romance e também para aquelas que desejam se identificar nas aventuras", finaliza.
"Eu diria que foi muito importante ler Lygia Fagundes Telles, os contos especialmente, foi bem transformador", Natalia Borges Polesso, escritora, tradutora e pesquisadora formada em Letras comenta que foi diretamente influenciada por diversas obras, mas que Lygia, Marina Colasanti e Cidinha da Silva foram especiais.
"A principal dificuldade em ser uma escritora é ser uma escritora", Natalia, como a maioria de suas colegas de profissão, destaca que é necessário manter outra profissão para sobreviver, que é muito difícil ser apenas autora no Brasil: "Eu demoro 4 anos para escrever um livro e, então, quando ele for publicado, vou receber depois de 6 meses o valor da venda dele. Claro, eu posso receber um adiantamento, digamos de 2 mil reais, antes da publicação, mas não dá para sobreviver em 4 anos apenas com esse dinheiro", a autora, que também é Doutora em Teoria da Literatura, explica um pouco mais desse processo: "Quando eu termino um livro e vendo ele, ganho 10% dos direitos autorais, ou seja, se um livro meu é vendido por 60 reais por exemplo, eu vou receber 6 reais por livro. E esse valor é acumulado a cada 6 meses". Natalia conta que, mesmo seus livros não sendo best-sellers (livros sucessos de vendas), ela vende bem e recebe um valor justo, mas que, mesmo assim, precisa manter outras fontes de renda para sobreviver, já que o esquema de 6 em 6 meses não supre todas as necessidades.
Porém não só de dificuldades é feita a carreira de escritor. Natalia diz que o ponto positivo em ser uma autora é a possibilidade de ter seu próprio mundo: "A possibilidade de criar, de ter um mundo inteiro, com meus personagens a disposição, para fazer o que eu quiser, do jeito que eu quiser. Isso é muito legal, a possibilidade de criar o mundo com a imaginação", a escritora e doutora completa: "É um trabalho muito gratificante, principalmente quando as pessoas se identificam e falam 'poxa que legal isso' ou 'me identifiquei com aquilo', de todo modo, quando a pessoa vem te contar que foi afetada por algo que você escreveu, é legal".
Quem também começou cedo na carreira de escritora, foi a autora de "O fio que nos une", Deborah Strougo, que escreve desde seus 14 anos. "A leitura tem vários benefícios como estimular a criatividade, melhorar o pensamento crítico, redução de estresse e aumento do vocabulário, entre outros", conta a escritora e publicitária de 29 anos. "Foi graças ao estímulo dos meus pais na leitura desde que eu era pequena, que virei uma leitora voraz e, consequentemente, uma aventureira na escrita".
Deborah comenta que recentemente foi muito feliz com a publicação de seu novo livro: "Meu ponto alto mais recente foi ter lançado 'O fio que nos une' com a editora VR. Foi meu primeiro romance com realismo mágico e é uma alegria imensa encontrar a obra pelas livrarias do país"; Ela também é autora de 'Inesperadamente Você', 'De repente nós dois' e 'A Conquista do Conde'.
Muitas autoras começam sua jornada na internet, em plataformas como a Wattpad, Nyah! Fanfiction, Spirit Fanfiction ou blogs. Também têm que se arriscar com as suas publicações de originais independentes no Kindle (Amazon) ou até mesmo fazer seu próprio marketing de publicações independentes em seus perfis nas redes sociais. E é esse o caso de dois membros da nossa equipe.
Hellica Miranda (fundadora e editora-chefe do portal) é autora de diversas histórias originais, como 'Arquivo Confidencial' (2020), 'Assombrada' (2021) e sua mais recente obra, 'Two Souls', de outubro 2021. No momento, trabalha em seu primeiro projeto escrito totalmente em outro idioma. Um exemplo claro de autora independente que busca casa vez mais espaço no mercado literário.
Também há o caso da Rafaela Maciel (editora assistente e redatora do portal) que possui um original publicado no Kindle, 'Saga Luz e Sombras: Escarlate'.
O mercado é grande, mas, os autores nacionais estão brigando por seu espaço diariamente. No dia 25 de julho, comemora-se o Dia Nacional do Escritor desde 1960, e é uma excelente oportunidade de valorizar os autores nacionais, sobretudo os contemporâneos, e suas obras literárias.
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