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  • Foto do escritorHellica Miranda

Señorita 89: qual é o preço da beleza?

Série mexicana toca em assuntos sérios e sensíveis como a indústria da beleza, intrigas políticas e assédio sexual no final dos anos 80, mas de forma que se aplica aos dias de hoje




"A beleza machuca", já dizia Beyoncé

Era uma vez um bosque encantado. Um lugar mágico onde as mulheres mais lindas do país iam aprender a ser rainhas. Durante três meses, uma equipe de especialistas as lapidava e as lustrava, para que o México pudesse escolher a mais brilhante para sua coroa. 90 dias num paraíso em troca de um trono, parecia um conto de fadas. Mas acabou sendo uma prisão para todas. Inclusive para mim.

É assim que, em flashforward e em meio a cenas com falas no imperativo, vestidos glamorosos e jovens com olhar assustado se inicia a trama de 'Señorita 89', série exclusiva da plataforma de streaming STARZPLAY.


A narradora, Elena Montes de Oca, tem uma perspectiva relativamente externa aos acontecimentos na fazenda Encantada, onde jovens do país inteiro são confinadas para serem preparadas para, ao final de um período de três meses, uma delas receber uma coroa, consagrando-a Miss México.


No entanto, conforme se aproxima das misses, que são suas alunas, e de suas histórias profundas e conturbadas, a professora percebe que não mais pode destacar suas observações como feitas de fora, mas vivenciadas no centro dos acontecimentos caóticos que envolvem as musas da beleza do México.



Créditos de imagem: STARZPLAY

A beleza não é algo que emana do interior (...) Então, se não é uma qualidade inerente da pessoa, nem um atributo essencial do indivíduo, então o que é? (...) É uma ilusão que nos venderam como uma verdade. E o problema é que, como qualquer ilusão, parece realmente que ela existe. Parece que ela tem peso, forma, essência. E ela nos obriga a nos mover de uma maneira especial, a ocupar o espaço de um jeito particular, respeitando os limites que estamos convencidos de que são naturais. Mas que, na verdade, foram construídos para a comodidade de outra pessoa.


Créditos de imagem: STARZPLAY

É tudo sobre dinheiro


Em entrevista ao Notícias da TV, a diretora da série, Lucía Puenzo, comenta sobre as situações comuns às modelos nas décadas de 1980 e 1990: “Nesses anos, víamos na televisão homens deixando mulheres sem roupa, e a família toda ria. Não era algo que se escondia. Esse ‘abrir os olhos’ que as novas gerações desenvolveram nas últimas décadas é muito importante, conta com coisas que não podem mais ocorrer”.


Para ela, a época retratada na série marca o auge das televisões e das cirurgias plásticas, o que é ressaltado na série pela fabricação do “belo”. Com contratos que ditam regras sobre os corpos das concorrentes, as modelos passam, em uma clínica improvisada na fazenda, por procedimentos estéticos e cirurgias com uma estrutura precária.


Retratos são tirados rotineiramente e, sobre eles, pontilhadas mudanças a caminho da perfeição.


No mundo da beleza perfeita, também não há espaço para as mães. As marcas deixadas pela maternidade precisam ser removidas, o leite precisa secar, o laço precisa ser afrouxado a ponto de quase se romper.


Mas há espaço para intrigas, manobras políticas, machismo escancarado e a negociação do corpo feminino, objetificado em produções pornográficas e estupros usados como moeda de troca em ambientes de poder inerentemente dominados por homens.



Créditos de imagem: STARZPLAY

As drogas não fazem efeito


Em um ambiente que oferece condições extremas e ameaçam, a todo momento, a dignidade e a essência do ser, não é inesperado que algumas das personagens principais procurem seus próprios métodos de escapismo.


Um deles é, obviamente, as drogas. Do álcool à infinitude dos ilícitos, tudo é buscado como refúgio.


Mas, a partir de determinado ponto, nem mesmo as drogas fazem efeito.


O que parece um sonho para as jovens garotas com a vida toda pela frente se transforma, rapidamente, em um pesadelo do qual parece impossível escapar.


As pessoas vão ver a radiografia de uma época em que a relação com as mulheres jovens era tremendamente brutal. Creio que, ao mesmo tempo, o público vai sentir uma história ferozmente moderna e atual”, destaca Lucía Puenzo, também à frente de outra série que apresenta as atrocidades cometidas contra mulheres, a chilena 'La Jauría', disponível no streaming da Amazon Prime Video.



Créditos de imagem: STARZPLAY

Patas sujas


Pensamos que podíamos sobreviver se usássemos o desprezo do nosso próprio predador contra ele. Mas o que nós jamais conseguimos prever era que também tínhamos que nos proteger do perigo que vem de dentro. É impossível se defender dos lobos se há alguém dentro da casa sempre disposto a deixá-los entrar.


“Acho que é um assunto de que ninguém fala”, comenta a atriz Natasha Dupeyrón, que interpreta Isabel, a Miss Yucatan, “Esse tema da beleza segue na moda, e as pessoas continuam alimentando, mas ninguém fala disso do ponto de vista das misses”.


“O motivo de terem feito dessa série uma espécie de thriller foi para que pudéssemos ver o quanto é errado normalizar toda essa violência contra as mulheres”, completa Barbara Lopez, que interpreta a Miss Guerrero, Dolores.


Créditos de imagem: STARZPLAY

“Muitas coisas ainda não mudaram, outras, sim. Mas o interessante é ver o caminho, como fomos percorrendo esse caminho. E me alegra que Señorita 89 seja incisiva, faça pensar e ataque pontos que nos machucam”, observa a intérprete de Concepción, a matriarca do concurso de beleza, Ilse Salas.


Leidi Gutiérrez, a atriz que dá vida à Jocelyn, a Miss Chihuahua, completa: “Dá para entender muito como as coisas são na realidade”.


Para Ximena Romo, a professora Elena, as personagens femininas não são iguais, mas todas têm virtudes e defeitos, e só podem sobreviver aos desafios presentes na Encantada juntas.


Mas o que podemos fazer, quão longe podemos ir, se, entre as presas indefesas há uma disposta a corromper a mínima garantia de segurança do rebanho a favor de um aparente gesto de misericórdia por parte dos lobos?


Quantas de nós nos vendemos e sujamos as mãos fechando os olhos e permitindo situações que prejudicam não somente a nós mesmas, mas às outras, sejam elas quem forem?


E, acima disso, quantas de nós o fazemos com plena consciência, ou seja, reconhecendo o preço a ser pago em parcelas infinitas, sem as lentes cor de rosa da fantasia, da utopia e da esperança ilimitada?


Quantas de nós compram a própria liberdade com a moeda suja da prisão alheia?


Como dito pela filósofa Simone de Beauvoir, “querer ser livre é também querer livres os outros”.


E, talvez, uma das maiores lições de Señorita 89 seja exatamente essa.





Os subtítulos desta matéria foram derivados, respectivamente, das canções: Pretty Hurts, de Beyoncé; All ‘bout the Money, de Meja; The Drugs Don’t Work, da banda The Verve e Dirty Paws, da banda Of Monsters and Men.


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