Promessa para o futuro da moda, a quebra da divisão entre feminino e masculino deve promover maior representação do indivíduo através do vestuário.
Moda agênero: muito além do unissex
Desde quando "moda" passou a ser um conceito, em meados do século XVI, as peças sempre foram separadas entre "o que é para homem" e "o que é para mulher". Não era permitido que mulheres usassem calças, por exemplo. Nesse contexto, a moda agênero é justamente um conceito da moda que não segue atribuições de gênero para o vestuário.
Em pleno século XXI, com as questões de gênero sendo debatidas mais frequentemente e de forma mais ampla, e a moda tomando caminhos cada vez mais revolucionários, tornou-se praticamente comum vermos celebridades desfilando suas roupas "fora do padrão" e criando uma imagem exatamente baseada nisso. Os cantores Harry Styles e Billie Eilish, por exemplo, costumam fugir do que a moda direcionada a seus gêneros impõe.
Já há algum tempo que as celebridades levam para os tapetes vermelhos seus looks mais ousados, fugindo das amarras do que é considerado "padrão". Um dos pioneiros nessa revolução é o ator e cineasta estadunidense Billy Porter, de 53 anos, que, na cerimônia dos Oscar 2019, apareceu usando um smoking com saia.
Ao E! News, o ator declarou que a ideia era "criar um espaço de diálogo sobre o masculino e feminino e tudo que se coloca no meio".
Mas é claro que o astro não parou por aí, e vem colecionando visuais que, no inglês, são chamados de "gender-neutral" ("gênero neutro") ou "genderless" (agênero).
A moda agênero ignora o fator do gênero, rompendo com as regras de roupas que foram criadas para o público feminino ou masculino. Envolve, portanto, uma gama de peças que foram criadas para qualquer pessoa. Mas, diferentemente do que se pensa, a moda agênero não é sinônimo da moda unissex. Enquanto esta veste igualmente todos os gêneros, a moda agênero ainda oferece a percepção de gênero no design das peças. Só não se limita a elas.
Para quase todos nós, a moda é uma forma de expressão e identificação. Para muitos, é também um ato político, uma vez que as peças podem carregar mensagens específicas.
No Brasil
Em terras brasileiras, ainda que algumas marcas já se direcionem ao setor agênero e redes de loja conhecidas estejam lançando cada vez mais peças "para todes", o caminho se mostra mais longo do que pensamos.
O cantor Vitão, por exemplo, foi alvo de críticas e chacota ao começar a aparecer mais com esse tipo de vestuário — e usando maquiagem.
À ocasião dos ataques, em setembro, quando o artista apareceu em sua conta no TikTok ao som de 'S de Saudade', parceria musical com Pabllo Vittar, usando sombra nos olhos, batom colorido, uma blusa estilo arrastão de ombro único e muitos acessórios, Vitão se pronunciou:
Moda pra mim é arte. É poder brincar com nossa imagem nos transformando a cada dia em uma pitada de tudo aquilo que é referência pra nós, que nos apaixona. Se minha vestimenta, meu cabelo, meu rosto ou minha voz causa raiva em você, isso é algo que VOCÊ tem que mudar, não eu.
— Vitão, sobre ataques machistas a seu visual.
O cantor de 'Flores' ainda complementou: "Minha vó me disse uma vez algo sábio, disse que a forma como nos apresentamos esteticamente para o mundo deveria ser apenas uma grande brincadeira. Como se nos fantasiássemos todos os dias de um novo personagem adequado ao modo como estamos nos sentindo no dia. E é VERDADE".
O modelo Daniel Sollza, conhecido no Instagram por compartilhar looks "diferentões", sobretudo agênero, opina sobre o assunto: "Todos temos o direito de se vestir como quiser! Acredito que ele possa estar se descobrindo dentro desse universo que envolve diversas questões, incluindo gênero. Porém, quando artistas surgem com um estilo diferente do nada e adepto a um movimento que só e pautado quando convém, gera determinada desconfiança do público, pois, na realidade, colocar um vestido, uma saia, bota dentre outros em um corpo socialmente dito como masculino é um rolê bem mais profundo que envolve preconceito, discriminação, ódio. moda é política, moda é resistência, é cultura. temos que ter cuidado quando entramos em um discurso e depois saímos dele".
Daniel diz que sua relação com a moda agênero começou ainda quando criança: "Vestia alguns vestidos de noivinhas com minha irmã, que tinha em casa. Depois de um tempo, reprimi esse “estilo livre” de se vestir e voltei a utilizar peças masculinas e femininas quando estava na 8ª série. Acredito que o contato com a moda e fazendo alguns desfiles e campanhas, consegui me sentir mais seguro e aceitar quem realmente sou e o que posso ser e vestir. Roupa é apenas um tecido lindo com diversos formatos onde foi construído peças para o gênero feminino e masculino, excluindo tudo e todos que vão contra esse caminho. Ou seja, é apenas um pedaço de pano, pra que falar que é de homem ou mulher..."
Para ele, ter opções de vestuário agênero vai além de coleções específicas para isso: "Se você gosta de alguma peça, seja ela na seção masculina ou feminina, não hesite em pegar e experimentar! Se você gostou e tá no seu orçamento, apenas leve. Fast fashions são uma opção para um estilo mais comercial, porém você consegue encontrar peças lindas e únicas em brechós e bazares".
O modelo também ressalta que, em sua opinião, "todas as peças já são peças agênero, não é a moda que muda, são as pessoas. A partir do momento que entenderem que roupa vai além de gênero, conseguimos evoluir pra um campo da moda onde não existe roupa pra homem ou pra mulher e sim para a pessoa. Os recortes nas roupas socialmente construídos permaneceram, o que vem a partir daí é a evolução do que já existe".
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