Voz de "Chuva de prata", "Meu bem, Meu mal" e "Barato Total" faleceu nesta quarta-feira, deixando milhares de fãs por todo o Brasil inconsoláveis.
Maria da Graça Costa Penna Burgos — Gal Costa, como será eternamente conhecida — faleceu aos 77 anos em São Paulo. Ela estava afastada dos palcos por conta de uma cirurgia de remoção de um nódulo na fossa nasal direita.
Gal Costa construiu uma carreira sólida de 57 anos, cantou sucessos de Caetano Veloso e Gilberto Gil e fez seu nome entre as principais vozes do Brasil.
Gal nasceu em 26 de setembro de 1945, filha de Mariah Costa Penna e de Arnaldo Burgos. Sua relação com seu pai sempre foi muito distante: ele costumava ser um pai ausente e morreu quando ela tinha apenas 14 anos. No entanto, sua mãe, Mariah, dava todo o afeto que a então menina Gal precisava.
Quando ainda estava grávida de Gal, a mãe da cantora costumava ouvir música clássica várias vezes ao dia, torcendo para que isso influenciasse sua filha a ser uma pessoa musical.
Carreira
Gal gostava de tocar violão e cantar. Na adolescência, trabalhou como balconista em uma loja de discos, onde conheceu a obra de João Gilberto. Ela conheceu seu grande amigo da vida toda, Caetano Veloso, em 1960.
A cantora teve sua estreia no festival “Nós, por exemplo” em agosto de 1964, em Salvador. O espetáculo inaugurou o teatro Vila Velha, e Gal cantou ao lado de grandes nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Tom Zé.
Em 1966, já morando no Rio de Janeiro, na casa de uma prima, participou do Festival Internacional da Canção, cantando “Minha Senhora”. Infelizmente, a canção não emplacou.
No grupo Doces Bárbaros, Gal se aproximou de Caetano Veloso e, mais tarde, lançaram juntos um disco que foi definidor para o movimento de contracultura da década de 70.
Aos 20 anos, fez parte do álbum "Tropicália ou Panis et Circencis", e, em 1971 realizou o espetáculo “Fa-Tal” que foi um grande sucesso.
Foi muitas vezes citada como "a musa do movimento tropicalista". Mas a associação à beleza não a incomodava:
Acho que [a beleza] ajudou, mas eu canto bem. Se eu não cantasse bem, não teria ajudado. A composição de tudo ajudou muito.
Foi em 1970, durante a ditadura militar no Brasil, que Gal visitou seus amigos Caetano Veloso e Gilberto Gil em Londres — os dois exilados pela ditadura. Desse encontro, se originou a música “London London” escrita por Caetano. Tanto Caetano como Gilberto estavam constantemente no repertório da cantora, mas, com o tempo, ela passou a agregar ritmos diferentes.
Ela fez grande fama em 1975, cantando a abertura da novela 'Gabriela', da TV Globo.
O disco “Aquarela do Brasil” foi lançado em 1980, com obras do compositor Ary Barroso, e composições como “Na Baixa do Sapateiro”, “Camisa amarela”, “É Luxo Só” e “Aquarela do Brasil” foram sucessos absolutos.
Entre seu repertório estavam as músicas: “Nuvem Negra” de Djavan, “Festa de Interior” de Moraes Moreira e “Brasil” de Cazuza. Em 1990, com a carreira consolidada, Gal lançou o disco Plural, com canções de Jair Amorim, João Donato e Jorge Benjor.
Em 1995, ela lança “Mina d’água do meu canto”, com letras e composições de Chico Buarque e Caetano Veloso.
O sucesso continuou dos anos 2000 para a frente, como a faixa “Socorro”, gravado inicialmente por Cássia Eller ou “Nossos Momentos” de Haroldo Barbosa. No final de 2011, ela foi aclamada pela crítica com o álbum “Recanto”, produzido por Caetano Veloso e Moreno Veloso. O álbum foi eleito o melhor álbum de 2011.
A revista Rolling Stones Brasil elegeu Gal Costa como a 7ª maior voz da música brasileira de todos os tempos em 2012.
O show “A Pele do Futuro” foi lançado em 2019, foi super elogiado e contou com a direção musical de Pupillo. Este álbum foi inspirado em seu filho, Gabriel Costa.
A cantora era uma das atrações esperadas para o festival “Primavera Sound”, mas sua equipe desmarcou a apresentação, já que Gal precisava descansar de sua recente cirurgia.
Família
Gal sempre foi muito próxima de sua mãe, que também foi sua maior incentivadora. Talvez por causa dessa grande figura materna, a cantora sempre nutriu o desejo de ser mãe.
Infelizmente, ela nunca conseguiu engravidar, devido a uma obstrução trompas, condição da qual tinha ciência desde a adolescência. No entanto, tentou o processo de fertilização in vitro, mas, mesmo assim, não teve sucesso.
Mariah, sua mãe, aconselhou a filha a entrar na fila de adoção. A cantora esperou até estar certa dessa decisão. Em 2007, Gal adotou seu único filho, na época com 2 anos, e o menino sofria de raquitismo, doença que desenvolveu por causa da situação miserável em que viveu antes de ser resgatado pelo abrigo. O processo de adoção foi rápido, porque seu filho não preenchia as características que a maioria das pessoas procuram em crianças.
Ela o chamou de Gabriel Costa Penna Burgos. Em 2015, Gal participou de uma entrevista para o Fantástico, em que afirmou: “É uma delícia, eu sempre sonhei em ser mãe. Eu nunca pude ter, por um problema físico. E aí achei o meu filho e eu tenho um amor incondicional por ele”.
Gabriel foi sua grande inspiração para o álbum "A Pele do Futuro", último trabalho da famosa com músicas inéditas. Hoje, o rapaz de 17 anos chora a morte da mãe, mas é um marco da esperança da estrela em um futuro melhor.
Eu me preocupo com o futuro, principalmente por causa do meu filho e dos jovens que vão ficar aí. Mas acho que está vindo uma geração que vai salvar o planeta, uma geração com um QI e um DNA novos.
— Gal Costa, ao falar sobre o filho, Gabriel.
Amores
Gal Costa era abertamente bissexual, tendo se envolvido tanto com homens, como com mulheres publicamente durante toda a sua vida. Ela sempre tentou manter a discrição sobre sua vida particular, e seu romance mais conhecido foi com o empresário Marco Pereira, relacionamento que durou de 1991 e 1992.
Em 1990, a cantora viveu um romance com Marina Lima, porém a cantora expôs que perdeu a virgindade com a namorada, o que irritou Gal, que sempre prezou pela discrição em sua vida pessoal. Muito antes de Marina, em 1980, a voz por trás de "Chuva de prata" se envolveu com a atriz Lúcia Veríssimo, que afirmou que nunca escondeu de ninguém o relacionamento, mas que não acreditava nas nomenclaturas dadas: para ela, existia apenas uma pessoal sexual e pronto.
Nos últimos shows que fez em vida, ainda era chamada de "gostosa" e pedida em casamento. Sobre isso, em 2018, aos 73 anos, brincou: "Com essa idade, não quero me casar com ninguém".
Lamentações
O Brasil recebeu com muita tristeza a morte da cantora, Gal era mais que uma voz, era o símbolo do talento puro.
Entre as lamentações, estão grandes nomes, como Maria Bethânia, que já dividiu o palco com a cantora várias vezes: "Em choque, choque, triste demais, difícil demais. Eu nunca pensei em um dia chegar a vocês para falar sobre a dor de perder Gal. O Brasil que ela sempre encantou com sua voz única, magistral, hoje, inteiro, chora. Como eu".
Gilberto Gil também prestou homenagem para a cantora: "Nossa irmãzinha se foi… Gal, a quem chamava de Gaúcha. Fica a saudade pra mim, pra todos que eram próximos e pra tanta gente na extensão deste Brasil que se encantava com seu canto. Agora o canto dela fica conosco pro resto das nossas vidas, pra o tempo todo da nossa história".
Personalidades políticas como o presidente eleito Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff, a primeira dama Janja e Marina Silva também prestaram homenagem à cantora. Padre Fábio de Melo diz: "A morte dos que admiramos aguça a percepção de nossa finitude. No último suspiro de Gal Costa todos nós morremos um pouco também”.
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