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  • Foto do escritorNatália Aguilar

Viuvez e o luto LGBTQIAPN+ na 3ª idade

Uma análise sobre a necessidade de validação do luto da população LGBTQIAPN+.


Pra iniciar a escrita deste texto, primeiramente, gostaria de falar sobre o grande desafio que foi para mim escrever sobre este tema. Eu, mulher, cisgênero e heterossexual, ocupo um lugar que (infelizmente) se distancia dos diversos desafios que uma pessoa da comunidade LGBTQIAPN+ tem de enfrentar em seu dia a dia. No entanto, ainda que eu não enfrente esses desafios que dizem respeito a minha sexualidade, acredito que reflexões saudáveis sobre o tema sejam de extrema importância para que um dia, não precisemos mais discutir, pois a inclusão e integração terá sido posta socialmente.


Antes de chegar ao cerne do tema, acho importante contextualizar 3 situações: a 3ª idade, lutos e lutos não reconhecidos.


A 3ª idade é considerada o último estágio do desenvolvimento humano. É a fase que que se inicia a partir dos 60 anos e dura até o fim de nossas vidas. Nessa fase, vivenciamos inúmeras perdas que podem aparecer em forma de doenças, perda do trabalho, perda dos papeis e funções, a morte das pessoas da mesma idade, a perda da beleza física, da saúde, da identidade profissional, da perspectiva de futuro, a diminuição do desejo sexual e de trocas afetivas, a perda da autonomia, a perda dos filhos adultos que vão embora de casa, a perda do papel de cuidador e a perda subjetiva de cada um em sua própria vivência no envelhecimento que culminará em seus próprios lutos.


De acordo com Parkes (2009), o luto é uma reação a natural e esperada, um processo de adaptação diante de qualquer perda ou rompimento de vínculo significativo que tenhamos na vida, seja esse vínculo concreto ou simbólico. É a reação que ocorre diante da quebra do mundo presumido, é a quebra da “crença que nos capacita, na maior parte do tempo, ao abordar o mundo a nossa volta e nos sentirmos seguros.” (Parkes, 2009 p. 44)


o luto não reconhecido, de acordo com Doka (1989) apud Casellato (2015) e Franco (2021), é todo e qualquer luto que não pode ser expresso e vivido espontaneamente, devido à censura e regras da sociedade ou mesmo do próprio enlutado, que não reconhece o rompimento do vínculo como uma perda e consequentemente, como um luto.


Assim, como então podemos pensar no luto LGBTQIAPN+ na 3ª idade pela viuvez?


Há de se considerar que assumir a própria a sexualidade, quando ela foge de um lugar heteronormativo, já envolve por si muitos lutos e, no caso de uma perda, neste caso a do companheiro ou companheira, esse luto frequentemente se acentua pelas particularidades que giram em torno desse fenômeno.


Viver o luto da viuvez LGBTQIAPN+ na 3ª idade, pode significar expor aquilo que por uma vida inteira não foi exposto e, a possibilidade de se “tirar o luto do armário”, envolvem questões que norteiam o não reconhecimento social desse luto como tal.


Existem muitos estigmas acerca da sexualidade que rondam a 3ª idade e um deles, se não o maior e o mais descabido, é o de que não há espaço para essa população vivenciar sua vida afetiva e sua própria sexualidade devido a idade. Vamos trazer essa mesma situação para o contexto da 3ª idade LGBTQIAPN+. Imaginou? Nos deparamos com lutos sobrepostos, invalidações sobre invalidações, um não reconhecimento tamanho que frequentemente faz com que essa população se esconda em seus lutos, tornando-os um processo bastante solitário de se viver.


No podcast Cores e Dores do Luto LGBT (2021), Juliana Dantas afirma que no jornalismo os motivos de uma pessoa não querer se expor frequentemente giram em torno do cometimento de um crime ou do sentimento de ameaça eminente e que, o luto pela viuvez na comunidade LGBTQIAPN+ também coloca essas pessoas num lugar de não quererem se expor, fato este que pode dificultar e agravar o seu próprio processo de luto. Neste mesmo podcast, Tom Almeida traz que a maior dor de uma pessoa que perde alguém se refere aos outros não saberem e não reconhecerem que aquele ou aquela era o amor de sua vida. Desta forma, é importante se colocar a reflexão do que nós como sociedade não estamos reconhecendo diante dessa condição específica de perda: a relação? a perda? o marido ou esposa enlutado (a)? a morte? as formas individuais de expressão do luto de cada um? E coloco aqui o termo “condição específica de perda” compreendendo que o que torna essa perda específica, nada mais é do que a falta de reconhecimento e validação, pois no mais, seria uma perda normativa como qualquer outra.


Assim, podemos pensar que a não validação desse tipo específico de luto pode favorecer o isolamento, a vergonha, a culpa, a ausência de rituais de despedida, o não reconhecimento dos próprios direitos e necessidades, o aumento da intensidade e duração dos sintomas, o impedimento na reconstrução da própria identidade, a dificuldade na adaptação à perda, o impedimento de se criar uma narrativa e história social/ pessoal tão importante no processo de travessia do luto etc. Do contrário, a validação, promove expressão dos sentimentos perante a perda, o acolhimento da rede social/ de apoio, a ritualização para a despedida, a possibilidade de construção de uma narrativa social e história da vivência, possibilita a construção da nova identidade sem a presença do companheiro/ companheira, a adaptação diante do novo fenômeno no qual a vida dessa pessoa foi atravessada.


Há também fatores que poderão contribuir ou atrapalhar para o atravessamento deste tipo de perda. Dentre os fatores de risco estão a rigidez na comunicação, a falta de suporte social, as crenças e valores do próprio enlutado, os segredos que envolviam a relação, a ausência de rituais de despedida, o isolamento, a falta de concretude da perda, a ausência de rede social, a ruminação dos sentimentos e pensamentos, a raiva, a culpa, a vergonha, o adoecimento físico e mental. Já, dentre os fatores de proteção estão a flexibilidade na comunicação, a presença de suporte social, a presença dos rituais de despedida bem como dos rituais de concretização da perda, o acolhimento, o apoio, a validação, o reconhecimento social do enlutado e da perda, dar tempo para esse luto como em qualquer outro tipo de luto, o respeito aos direitos do enlutado, tanto materiais como emocionais.


Acolher e validar sempre será o melhor caminho para que um luto não se transforme em adoecimento. É preciso sensibilidade perante a perda, validação, psicoeducação, empatia, interesse em saber quem era a pessoa que morreu, qual era a sua história e qual a história construiu-se a dois, como casal. Transformar esse lugar de silêncio em lugar de expressão, pois entendemos que quanto menos expresso é um luto, mais complicado ele pode se tornar. Todos nós vivenciamos lutos, independentemente de nossa orientação sexual e, a prevenção de adoecimentos em decorrência desses lutos está, inicialmente na validação e no acolhimento, seja ele de qual natureza for.

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