Guerreiras por necessidade: a realidade invisível das mães no Brasil
- Rafaela Maciel
- 11 de mai.
- 4 min de leitura

No Dia das Mães, são comuns homenagens sobre a força, coragem e garra das mães, principalmente no Brasil. É considerado um elogio a frase: “ela é uma mãe guerreira”.
Enquanto em outros países a palavra “mãe” remete a carinho, cuidado e doçura, em terras brasileiras a palavra traz mais o significado de uma luta diária para por comida na mesa e criar os filhos, muitas vezes sozinha.
A pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre) afirma que hoje são 11 milhões de mães solo; cerca de 72% das casas chefiadas por mulheres não possuem rede de apoio ou parente próximo. Só no Distrito Federal, são 263 mil famílias chefiadas por mulheres; dessas, 85,3 mil possuem crianças de até seis anos.
Não se trata apenas de maternidade solo, mas de famílias em vulnerabilidade social, já que são sustentadas por apenas uma renda e sem uma rede de apoio financeira e emocional.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 400 mil partos por ano no Brasil são de mães adolescentes. Isso significa que, por hora, nascem 44 bebês de pessoas que ainda não são totalmente responsáveis por si mesmas e passam a ter que cuidar, alimentar, educar e proteger uma nova vida. Os números têm diminuído com campanhas de prevenção voltadas para os menores, no entanto, ainda são altos e alarmantes.
Essas novas mães, muitas vezes, não têm apoio dos familiares, nem do pai do bebê, e precisam deixar a escola para trabalharem e trazer sustento para sua casa.
A Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) afirma que, no ano de 2023, das 2,5 milhões de crianças nascidas no Brasil, 172 mil não possuem registro de pai. Apenas no ano de 2025, já se somam 91 mil crianças sem registro paterno até o mês de maio.
Além disso, muitas crianças recebem o nome do genitor, mas apenas isso. Não recebem carinho, educação, presença e nem os seus direitos, como alimentação e pensão. Como já dito antes, hoje são 11 milhões de mulheres que criam e educam seus filhos sozinhas.

A assistente social e pedagoga Keyce Oliveira Petini, de 37 anos, trabalha há anos com mães em vulnerabilidade social. Ela ministra aulas na UNOPAR, é Conselheira Municipal da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro e Niterói, e assistente social no Instituto Brasileiro Pró-Educação, Trabalho e Desenvolvimento (ISBET) e no Nóiz Projeto Social da Cidade de Deus.
Keyce fala um pouco sobre a realidade das mães com que trabalha. Ela conta que a faixa etária de mães é de 17 a 35 anos, mas que a maioria engravidou na adolescência e está agora entre sua 2ª a 6ª gestação. A maioria tem entre 3 a 4 filhos vivos e sente muita dificuldade em conseguir parcerias que ajudem com os projetos sociais voltados para as mesmas.
Quando perguntada sobre o que poderia ser feito para mudar a realidade dessas mães, Keyce responde: “Criar autonomia. Elas precisavam de um incentivo, alguém que pudesse ensiná-las uma profissão que tivesse um retorno imediato, como, por exemplo: unha, cílios, bolo de pote, cabelo, etc.” Mesmo essas mulheres recebendo ajuda do governo, como o programa Bolsa Família, o subsídio não é o suficiente para sustentar seus filhos.
Keyce também fala sobre as mães usuárias de drogas: “Com certeza é o uso contínuo de drogas. A falta de cuidados médicos e higiene. Para uma mãe viciada em entorpecentes é muito difícil querer sair desta situação, pois, para ela, é algo normal, independentemente de estar ou não gestante, pois muitas das vezes as drogas não deixam ela lembrar do bem mais precioso que carrega.” Além disso, a assistente social também explica que a falta de moradia pode prejudicar, e muito, a saúde da mãe e da criança: a probabilidade de o bebê nascer com algum problema de saúde é grande, pois, além de as mães não terem uma boa alimentação, elas também nunca foram acostumadas a ingerir qualquer alimento e saber do valor nutricional.
Em comunidade, é muito comum ver bebês com problemas de pele, pois as casas que são construídas de madeira e nas beiras de valão têm vazamento e acesso a bichos, insetos, como: porco, cobra, jacaré. Um grande exemplo é a comunidade da Cidade de Deus, localizada no Rio de Janeiro.
Keyce finaliza explicando que o que mais afeta as mulheres é a falta de rede de apoio: “Com certeza é a falta de rede de apoio familiar. São mulheres que convivem com o abandono dos seus parceiros e, consequentemente, da família, pois, na família, geralmente já tem um número grande de pessoas, e isso gera mais gastos.”
Além de lidarem com a vida dessas crianças e com todo o custo financeiro e emocional, essas mulheres, ditas “guerreiras”, precisam também lidar com o julgamento da sociedade, que sempre cobra da mãe absolutamente todas as ações dos filhos.
Essa semana viralizou nas redes sociais um vídeo em que um indivíduo é preso por supostamente assaltar um ônibus. Sua mãe, então, chora e pede perdão à sociedade, dizendo que não ensinou isso ao filho. Um sujeito adulto, dono de suas próprias ações, e mesmo assim a mãe se sente culpada, como se fosse ela a errada.
É esse o tipo de cobrança que a sociedade brasileira impõe às mães: em saídas de lazer — com quem estão seus filhos?; em fases de crescimento profissional — “e seus filhos? Com quem irão ficar?”; e até mesmo em seus futuros relacionamentos — “mas você vai se casar? E seus filhos? Como ficam?”

Falta muito para que a emancipação feminina realmente aconteça, e que mães solo passem a ser vistas como seres humanos, e não como máquinas, que precisam ser guerreiras e fortes para aguentar tudo que a vida tem de pior.
Nesse Dia das Mães, convido a todos a refletirem: o quanto sua mãe é realmente guerreira? Será que não é apenas uma mulher sobrecarregada, que merece mais empatia e cuidado?
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