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Nise da Silveira: a brasileira que revolucionou a psiquiatria

Foto do escritor: De Mulher Para o MundoDe Mulher Para o Mundo

Nise da Silveira lutou para que a psiquiatria fosse mais humana e é responsável direta e indireta por salvar inúmeras vidas.



Nise da Silveira foi uma das primeiras mulheres a se formarem médicas no Brasil, foi perseguida, acusada e presa como comunista.


Início de sua trajetória


Natural de Maceió, Nise da Silveira nasceu em 1905. Filha de um professor de matemática (também jornalista) e de uma pianista talentosa, Nise herdou dos pais o amor pelos estudos. Formou-se no ensino regular em um colégio de freiras só para meninas e decidiu percorrer um caminho ainda pouco explorado pelas mulheres de seu tempo: a medicina.

 

De 1921 a 1926, Nise frequentou a Faculdade de Medicina da Bahia, sendo a única mulher entre 157 homens de sua turma. A estudante contou com o apoio da família e de seu primo, que cursava medicina na mesma turma e, mais tarde, tornou-se seu marido. O arranjo entre os dois foi feliz e duradouro; ambos queriam se dedicar totalmente à carreira e optaram, em comum acordo, por não ter filhos.

 

Seu marido, Mário Magalhães da Silveira, escreveu diversos artigos sobre desigualdade, pobreza e prevenção de doenças. Quando o casal se mudou para o Rio de Janeiro, tornaram-se vizinhos do poeta Manuel Bandeira e do líder comunista Otávio Brandão. Foi nesse período que tiveram o primeiro contato com a ideologia política.

 

Graças a esse contato, o casal participou de algumas reuniões do Partido Comunista Brasileiro. Nise chegou a palestrar e assinar o "Manifesto dos Trabalhadores Intelectuais ao Povo Brasileiro"; no entanto, foi expulsa de sua célula, acusada de trotskismo.


Anos mais tarde, em 1933, Nise cursava os últimos anos de especialização em psiquiatria. Assim que finalizou, passou no concurso de psiquiatria, passando a trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental.



Era Vargas



Durante a ditadura de Vargas, ocorreu a chamada "Intentona Comunista". Como Nise tinha em sua posse um livro marxista, foi denunciada por uma enfermeira. A psiquiatra foi presa de 1936 a 1944, sendo afastada de seu trabalho.

 

Foi durante sua prisão que Nise conheceu diversas figuras importantes, como Olga Benário, Elisa Berger e o escritor Graciliano Ramos, todos presos por suas conexões com o comunismo. Sua amizade com o escritor lhe rendeu uma personagem no clássico “Memórias do Cárcere”.

 

Seu tempo em cárcere fez com que a médica refletisse cada vez mais sobre o conceito de liberdade e dignidade humana.

 


Nise se rebela contra os maus-tratos


Em 1944, após sua anistia, Nise retornou ao serviço público e descobriu que a psiquiatria havia mudado de maneira surreal seus métodos, adotando eletrochoques e lobotomias como tratamentos habituais. Para a médica, tratava-se de um filme de terror, e ela foi terminantemente contra, recusando-se a aplicar qualquer um dos ditos "tratamentos" em seus pacientes.

 

Graças à sua rebeldia, Nise foi "castigada", sendo redirecionada para trabalhar no setor de "terapia ocupacional". Essa área era desprezada pelos demais médicos, já que as atividades dos pacientes não passavam de limpeza e organização.

 

Nise viu uma oportunidade no setor, remodelando todo o sistema. Instalou ateliês de artes, com atividades como pintura, desenho e modelagem. A ideia era possibilitar o retorno do paciente à realidade através da arte e criatividade. A nova terapia foi um sucesso e revolucionou para sempre o tratamento psiquiátrico no Brasil.



Nise e a revolução do tratamento psiquiátrico



O Museu de Imagens do Inconsciente foi fundado pela médica em 1952, no Rio de Janeiro. O centro era voltado para pesquisas e estudos, sendo alimentado pelas obras feitas pelos seus pacientes que participaram dos ateliês de arte.

Muitos nomes famosos participaram do museu, entre eles Fernando Diniz, Carlos Pertuis e Adelina Gomes, todos pacientes e artistas de Nise. O museu rendeu diversas mostras, livros e até mesmo filmes!

Em 1956, a Casa das Palmeiras nasceu, fundada por Nise com o intuito de ajudar antigos pacientes de tratamentos psiquiátricos. Por conta do tratamento invasivo e cruel, muitos continuavam doentes e até pioravam. A Casa das Palmeiras atendia essas pessoas.

O tratamento de Nise continuava focado na arte, sendo tratado de maneira intermediária, já que o intuito era manter essas pessoas na sociedade, porém de maneira segura e dentro da realidade.

Nise foi pioneira em muitos tratamentos psiquiátricos, entre eles a conexão afetiva que o acompanhamento de um animal de estimação pode oferecer a um paciente. A médica notou um quadro de melhora muito significativa em um de seus pacientes que ficou responsável por cuidar de uma cachorra abandonada no hospital.

Ela relata o processo no livro “Gatos, a Emoção de Lidar”, de 1998.



Aposentadoria e falecimento


Próximo de sua aposentadoria, Zoé Noronha Chagas Freitas e um grupo de colaboradores criaram a Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente (SAMII), visando ser os próximos cuidadores do acervo.

 

Desde sua criação, a SAMII é quem cuida dos grandes projetos realizados no museu, como reformas e infraestrutura da sede, acondicionamento e documentação do acervo, apoio às atividades terapêuticas, exposições e documentários.

 

A SAMII é tão importante para a manutenção do museu criado por Nise que o tombamento de parte do acervo pelo IPHAN e o registro do arquivo pessoal da médica no Programa Memória do Mundo, da UNESCO, são graças a ações e iniciativas da SAMII.

 

Aos 94 anos, depois de ter vivido uma vida longa, cheia de batalhas, deixado um legado enorme e enterrado seu companheiro de vida em 1986, Nise da Silveira faleceu em 30 de outubro de 1999, vítima de pneumonia e de sua idade avançada. Seu corpo repousa no Cemitério de São João Batista, em Botafogo.

 


Prêmios


  • Ordem de Rio Branco no Grau de Oficial, pelo Ministério das Relações Exteriores (1987)

  • Título de Doutor Honoris Causa pela UERJ em 1988

  • Prêmio Ciccillo Matarazzo Personalidade do Ano de 1992, da Associação Brasileira de Críticos de Arte

  • Medalha Chico Mendes, do Grupo Tortura Nunca Mais (1993)

  • Ordem do Mérito Educativo, pelo Ministério da Educação e do Desporto (1993)

 


Legado


A vida de Nise da Silveira deixou inúmeros legados. Em 2015, foi reconhecida na lista das Grandes Mulheres que marcaram a história do Rio de Janeiro.

 

Foi membro fundadora da Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica, que tinha sua sede em Paris. Sua pesquisa e tratamento foram reconhecidos no mundo todo, tornando-se documentários, livros, filmes, cursos e publicações.

 

O Centro Psiquiátrico Nacional do Rio de Janeiro foi renomeado para Nise da Silveira, e em 2016, sob a direção de Roberto Berliner, o filme brasileiro ‘Nise: O Coração da Loucura’ foi produzido e lançado no Brasil.




Heroína da Pátria e veto do ex-presidente Jair Bolsonaro


 

O nome de Nise foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria graças ao projeto de Jandira Feghali (PCdoB), que avaliava que a contribuição de Nise foi enorme para o Brasil e para o mundo.

 

No entanto, o presidente da época, Jair Bolsonaro (PL), famoso por discordar de figuras voltadas para pautas humanitárias, principalmente associadas ao comunismo, vetou a inclusão do nome, alegando que não era possível avaliar o impacto das ações e trabalhos de Nise no Brasil.

 

O veto foi derrubado pelo Congresso Nacional em 5 de julho de 2022, incluindo finalmente (e justamente) Nise da Silveira no livro.

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