top of page

Por dentro dos termos da machosfera

  • Foto do escritor: Hellica Miranda
    Hellica Miranda
  • 27 de mar.
  • 5 min de leitura

Com o sucesso da série ‘Adolescência’, termos como “incel” e “red pill” se tornaram populares.



“Incel”


Com o sucesso da série ‘Adolescência’, lançada em 13 de março na Netflix, alguns termos vieram à tona e se tornaram ainda mais populares. O primeiro deles já foi abordado aqui anteriormente, mas precisamos recapitular: “incel”.


O termo origina-se de “celibatário involuntário” (do inglês “involuntary celibates”) e, inicialmente, descreve jovens que, mesmo desejando um relacionamento amoroso, se sentem incapazes de estabelecer uma conexão afetiva.


E, apesar de estar, hoje em dia, ligado à misoginia e a cenários masculinos, o termo “incel” surgiu da mente de uma mulher, conhecida apenas como Alana, nos anos 1990.


O “Projeto de Celibato Involuntário de Alana” era um site em que Alana e seus seguidores discutiam suas realidades de constrangimento e isolamento na sociedade.


A palavra — e seus significados — se popularizou em fóruns on-line, passando a descrever a incapacidade de homens se relacionarem com mulheres, mesmo que essa fosse sua vontade.


A partir daí, a comunidade incel passou a ser permeada por discursos de ódio e violência, sobretudo destinados a mulheres, mas também àqueles homens que conseguiam estabelecer relacionamentos românticos com mulheres.


Em um estudo de 2022, publicado na revista “Current Psychiatry Reports” e registrado na Biblioteca Nacional de Medicina, foram descritas diversas ideologias que conectam as comunidades incel, como antipatia pelo feminismo e a crença na “hipergamia” feminina.


O conceito refere-se à ideia de que as mulheres buscam parceiros com status, recursos ou habilidades superiores aos seus, preferindo relacionamentos com homens que possam oferecer maior segurança econômica, prestígio social ou outros benefícios. Essa crença é frequentemente usada por esses grupos para explicar dificuldades que alguns homens enfrentam em atrair parceiros, pois supostamente as mulheres estariam sempre procurando “melhores” opções.


A machosfera



Machosfera” é um termo usado para designar um conjunto de comunidades, fóruns e espaços on-line onde são discutidos temas relacionados à masculinidade e aos direitos dos homens. Nessas comunidades, frequentemente há uma crítica às mudanças sociais e ao feminismo e, em alguns casos, os discursos podem assumir contornos misóginos ou extremistas.


É nesse cenário que se propaga a comunidade incel, e outros termos pertinentes à conversa, como “red pill”.


O termo “red pill” (pílula vermelha) tem origem no filme ‘The Matrix’ (1999), em que o protagonista, Neo, é oferecido a escolha entre tomar a pílula azul, que o manteria em uma realidade ilusória, ou a pílula vermelha, que revelaria a verdade sobre o mundo. Essa metáfora passou a ser utilizada em diversos contextos para representar um despertar ou uma descoberta de uma “realidade oculta” que, segundo os proponentes, estaria sendo ignorada pela maioria.


No contexto dos movimentos ligados à masculinidade e às comunidades incel ou da “machosfera”, “red pill” refere-se à ideia de que as relações sociais e de gênero são fundamentalmente distorcidas por normas culturais e ideologias modernas, como o feminismo. Quem “toma a red pill” acredita que está enxergando, de forma crua e sem filtros, as dinâmicas reais entre homens e mulheres – geralmente enfatizando que as mulheres agem de maneira hipergâmica e que os homens enfrentam desvantagens ou desilusões nessas interações.


Historicamente, a expressão foi apropriada por grupos da internet que defendem visões conservadoras ou críticas ao feminismo, usando a metáfora para justificar suas críticas às estruturas sociais e aos papéis de gênero estabelecidos. Assim, a “red pill” simboliza, para esses grupos, a revelação de verdades sobre a natureza das relações e da sociedade que estariam sendo deliberadamente ocultadas ou minimizadas pelos discursos predominantes.


Casos de terrorismo misógino


O assassino incel Elliot Rodger
O assassino incel Elliot Rodger

Em 23 de maio de 2014, em Isla Vista, Califórnia, um jovem de 22 anos chamado Elliot Rodger matou 6 pessoas e feriu outras 14 com facas, pistolas semiautomáticas e seu próprio carro em um ato de terrorismo misógino: antes dos ataques, o assassino fez upload de um vídeo no YouTube no qual anunciava sua intenção de punir mulheres e homens com quem elas se relacionavam por sua incapacidade de estabelecer um relacionamento amoroso.


Rodger também divulgou um manifesto de 137 páginas no qual descrevia momentos de sua vida, dificuldades pessoais e o “desafio” de ter se mantido virgem contra sua vontade durante toda sua vida.


Dentro da comunidade incel, Elliot Rodger se tornou uma espécie de mártir, chegando a “inspirar” outro ataque: em 23 de abril de 2018, em Toronto, Canadá, Alek Minassian, de 25 anos, matou 11 pessoas e feriu outras 15 no ataque de veículo mais mortal da história canadense. Antes do ataque, Minassian descreveu a ação como uma continuação da rebelião incel iniciada por Rodger em 2014, e publicou em seu Facebook “A rebelião incel já começou!”. No momento de sua prisão, Minassian se descreveu como “incel” para a polícia.


Incontáveis outros crimes com motivação misógina aconteceram antes disso e desde então, provando os perigos por trás dos discursos disseminados na “machosfera”.


Nota-se, portanto, que o feminismo — odiado e rechaçado pela maioria dos homens membros dessas comunidades — é um importante caminho para combater novos casos de terrorismo misógino.


Feminismo pode ser a saída


O feminismo é uma abordagem essencial para combater o terrorismo misógino porque enfrenta diretamente as raízes da violência de gênero e do extremismo misógino, promovendo a igualdade, a educação e a erradicação de ideologias que sustentam a opressão contra as mulheres, sendo fundamental porque analisa como o patriarcado e as ideologias extremistas desvalorizam as mulheres e criam condições para a violência; desconstrói discursos que justificam a misoginia e promove narrativas igualitárias; incentiva a inclusão da igualdade de gênero nos currículos escolares, reduzindo a adesão a discursos de ódio; trabalha para eliminar a objetificação e a desumanização das mulheres, que são usadas para justificar a violência; pressiona por leis mais rigorosas contra crimes de ódio baseados em gênero; exige políticas de proteção a vítimas e responsabilização efetiva de agressores e muito mais.



Capa do livro “Os meninos são a cura do machismo”, de Nana Queiroz.
Capa do livro “Os meninos são a cura do machismo”, de Nana Queiroz.

Em “Os meninos são a cura do machismo”, a jornalista e ativista Nana Queiroz argumenta que a educação feminista amorosa é fundamental para erradicar o machismo estrutural. Após anos focando no combate ao machismo direcionado às mulheres, Nana percebeu a necessidade de incluir os homens nesse processo, especialmente desde a infância.


Ela propõe que os meninos, quando educados sem os estereótipos tradicionais de gênero, podem crescer para se tornar agentes de mudança na luta contra a desigualdade de gênero.


A autora utiliza a metáfora do machismo como um vírus e os homens como hospedeiros, sugerindo que, embora não sejam culpados por contrair esse “vírus”, têm a responsabilidade de buscar tratamento e evitar sua propagação. 


O livro oferece reflexões e orientações sobre como criar meninos de maneira a promover uma masculinidade saudável e igualitária, visando transformar a sociedade de forma duradoura.


Outro livro importante para a discussão é “Para educar crianças feministas”, de Chimamanda Ngozi Adichie. No formato de uma carta endereçada a uma amiga que pediu conselhos sobre como criar sua filha para ser independente e consciente da igualdade de gênero.


Capa do livro “Para educar crianças feministas”, de Chimamanda Ngozi Adichie.
Capa do livro “Para educar crianças feministas”, de Chimamanda Ngozi Adichie.

Com uma abordagem acessível e direta, Adichie apresenta 15 sugestões para educar crianças de forma feminista, enfatizando a importância da autonomia, da desconstrução de estereótipos e da valorização das mulheres em todas as áreas da vida. O livro critica as imposições sociais que limitam meninas e meninos e incentiva pais e educadores a promoverem uma criação baseada no respeito e na liberdade de escolha.






댓글


bottom of page