O prazer feminino foi um grande tabu durante séculos, considerado até mesmo imoral, hoje com os movimentos feministas o cenário é outro: mulheres livres, donas de seus corpos.
Desde a antiguidade, as mulheres sempre estiverem em posições de submissão, o sexo mais frágil. Vemos exemplos disso em vários relatos históricos, culturais e religiosos. A mulher é retratada como submissa em textos bíblicos, é vista como a culpada, em histórias gregas sobre estupro (é o caso de Medusa) e, quando assume uma posição de poder, como Cleópatra, narram sua história de maneira cruel, colocando um rótulo de mulher vulgar e sedutora, em vez de inteligente e habilidosa.
O corpo da mulher nunca pertenceu a ela mesma, sempre foi ensinado que ela deveria ser casta para o seu marido, que deveria agradar ao seu marido, que deveria dar filhos e estar sempre disposta. Antes do corpo da mulher ser dela, era dos pais, depois do marido e depois pertencia aos filhos, anulando todo o sentimento de posse que a mulher poderia ter sobre seu próprio corpo.
Hoje, com a busca por direitos femininos e o avanço da luta feminista, a mulher passa a ser incentivada no autocuidado, no amor próprio e na busca pelo seu próprio prazer sexual, sua própria satisfação. Conversamos com Jean Bianchi, empresário e dono do sex shop Prime Hot Sex, especialista em produtos para o público feminino e LGBTQIA+ e Helena Harumi, funcionária do sex shop, sobre o prazer feminino no século XXI.
"Antigamente, era um tabu enorme, né? Porque a mulher já sofreu uma repressão muito forte por conta do sexo, por entender sobre sua sexualidade. Então, muita coisa era proibida. A mulher pode fazer isso, a mulher pode fazer aquilo, a mulher não pode ser mulher que não se toca hoje, não conhece seu próprio corpo por causa desse tabu lá atrás". Jean explica que antes, era uma vergonha muito grande uma mulher sentir prazer sexual, chegando a ser visto como algo que as mulheres "decentes" não poderiam sentir. "Mas foi passando o tempo e, hoje, com a tecnologia, as pessoas estão abrindo a mente para isso".
No século XX (e os demais anteriores) uma mulher não deveria sentir prazer no ato sexual. A sociedade ditava que deveriam se casar virgens e que a relação sexual era apenas para gerar filhos e entreter seu marido. O folhetim da Globo de Walcyr Carrasco, "Gabriela" (2012) retrata várias personagens que passaram por situações difíceis sobre sua própria sexualidade. A história se passa na década de 20, e uma das personagens, casada há muitos anos pergunta porque a mulher não pode gostar de ser abraçada pelo marido. Ele responde: "porque mulher decente não sente vontade, mulher se deita, fecha os olhos, reza e abre as pernas pra satisfazer o marido", a mesma lição veio acompanhado com "abra as pernas, vou lhe usar". No mesmo folhetim, a personagem Malvina apanhava de seu pai por não aceitar que deveria ser rebaixada, por querer ter direito a mesma liberdade de amar e se entregar aos desejos que os homens.
O empresário também explica que, durante muito tempo, é ensinado que a vagina é um lugar sujo: "Os pais falam para as meninas: não coloca a mão aí, filha, porque é sujo. Menina não coloca a mão aí, menina não mexe aí, é feio, e isso fica na cabeça da pessoa. Os meninos são diferentes, eles com 11 anos, 12 anos, já começam a explorar seu corpo e é super normalizado, um menino começar a conhecer seu próprio corpo, já as meninas, elas são ensinadas a inibir esse sentimento, esse conhecer delas mesmas". Para Jean, a inibição do conhecimento saudável das mulheres sobre seu próprio corpo começa quando são ensinadas desde pequenas que não devem se tocar, pois é um lugar sujo.
Jean também explica que sexo é saúde e que se perde muitas calorias no ato sexual: ter uma vida sexual ativa libera altas doses de endorfina, evita ataques cardíacos, melhora a qualidade de sono, o aspecto da pele e libera o estresse. Inclusive, ajude com dores de cabeça. O dono da Prime Hot Sex explica que não basta só o ato, é necessário ter todo o cuidado com a conquista, de gerar interesse, apelo sexual: "Um homem é diferente da mulher. Um homem é igual a um interruptor, você apertou, homem acendeu. Agora a mulher, não. A mulher vai precisar trabalhar isso nela. Ele tem que tratar bem a mulher durante um dia todo, mandar mensagem, dizer ‘eu te amo, meu amor, você está linda’, ele chegar com chocolate… saber agradar, porque isso vai fazer com que a mulher se sinta relaxada. Ela se sinta confortável e esteja disposta e aberta para fazer sexo, que esteja feliz e com vontade".
Entre os diversos tabus que existem sobre a sexualidade feminina, Helena Harumi também pontua sobre o comportamento de algumas clientes de colocarem as necessidades de seus parceiros acima do querer individual: "A mulher está sabendo mais sobre sexualidade, ela está entendendo que ela pode se estimular, que ela pode chegar ao orgasmo, com produtos, com acessórios, só que, quando ela está em algum relacionamento, talvez ela até goste, mas se o parceiro dela não gostar, ela para de ir atrás disso que ela gosta, para até de ir ao sex shop, mas o parceiro dificilmente para de fazer o que ele gosta e mais difícil ainda é ele tentar se encaixar no que ela gosta". Helena ainda complementa: "Então tem muito isso. Às vezes ela está sozinha, ela vai, ela está à frente, ela compra, ela usa... mas, em um relacionamento, ela fica em segundo plano. Essa submissão ainda existe. Então, quando ela sai com uma pessoa, um namorado, um parceiro que ela está conhecendo, ela se priva disso, mas com aquela vontade que fica lá, aprisionada".
Ela também comenta que é bem comum os parceiros sentirem ciúmes da mulher ter o seu prazer individual, usando os itens sexuais que ela tem, sem a ajuda do homem. Helena conta que ela mesma viveu um relacionamento assim, em que o seu namorado não gostava dela ter prazer individual e, para ela essa é uma atitude machista. "Homens se masturbam desde a adolescência, mas a mulher fica proibida de tocar em si mesma, a ideia é muito machista, de que o corpo da mulher não pertence a ela", essa atitude reflete muito da cultura do patriarcado.
Helena é super ativa nas redes sociais e comenta que às vezes se assusta com a falta de liberdade que os adolescentes têm de falar obre sexualidade com seus pais. Em seu perfil no Instagram, ela diz que recebe bastante comentários de jovens que não sabem usar preservativos, não sabem como vestir uma camisinha e que não podem contar com a ajuda dos pais, pois o assunto é um tabu em suas casas: "Eu acho que, hoje em dia, a criação em si deveria ser muito mais aberta em relação a isso, o assunto ‘sexo’ ainda é muito proibido nas casas, e isso é real, estamos em 2023 e não existe muita abertura para falar sobre sexo com os pais, é surreal. Não ser aberto com os pais, os pais não terem esse diálogo com os filhos. Mas, infelizmente é o que o Jean falou, é muito de antigamente, é muito de criação antiga, pessoas que têm a mente fechada e também tem a questão da religião, da cultura de cada um..."
Jean também fala sobre a industria de pornografia, tema polêmico e muito falado nas redes sociais, já que boa parte da indústria é abusiva. Para ele, a pornografia é saúdavel até certo ponto, desde que não esteja sendo feita com profissionais forçados a isso, sendo abusados ou intimidados. Também fala ,que para quem assiste, precisa de alguns limites: os vídeos são para estimular a vida sexual, não para serem apenas eles a vida sexual da pessoa. "Ela está ali assistindo pornografia o dia inteiro e não rende, não é uma pessoa que rende, uma pessoa que tem vida sexual fora da tela. Então ela tem que ter consciência de que a pornografia está fazendo mal para ela. Mas quando você está assistindo uma pornografia para se estimular, é ok. Estimular é algo saudável", e ele completa; "A indústria tem crescido muito... tem uns vídeos que são uma porcaria. Eu realmente odeio vídeos forçados, aqueles que a gente sabe que a mulher está fazendo pelo dinheiro. E o homem está fazendo a performance dele pelo dinheiro. Mas existem outros casos".
Entre a indústria, ele cita também filmes hollywoodianos, como 'Cinquenta tons de Cinza', '365 dias' e 'A vida secreta de Zoe', sendo o último super recomendado por Jean: "A vida secreta de Zoe é bom, porque fala sobre satisfação sexual. A Zoe tem tudo, é rica, tem um marido bonito, uma filha, mas não está satisfeita. O sexo com o marido não a deixa saciada e tem uma cena, que mesmo depois do ato com o parceiro, ela se levanta e se masturba sozinha, porque ela não havia tido satisfação sexual com ele. E esse é um tema bem legal".
O dono da Prime Hot Sex utiliza muito o Twitter para divulgar seu trabalho, seus produtos e dicas sexuais. Ele explica que, como a plataforma libera o conteúdo sexual, ele e sua equipe estão investindo em conteúdo para maiores de 18 anos e que possuem um grupo de influenciadores da marca. Para ele, falar de sexo é falar de saúde, e este deve ser um assunto abordado com mais naturalidade e menos tabus. Jean pontua que, hoje, o conteúdo sexual é vendido abertamente, não só pela indústria, mas por pessoas fora dela também. É o caso da venda de conteúdo sexual pelo Instagram: até mesmo músicas sobre o famoso close friends da plataforma foram feitas e uma integrante da edição recente do programa Big Brother Brasil, da rede Globo, assumiu abertamente ter um perfil voltado para esse tipo de conteúdo, em uma rede social em que isso é comum.
O sexo tem caminhado a passos largos para deixar de ser um assunto tabu, porém, ainda carrega consigo marcas de um passado longo de repressão, principalmente quando voltado as mulheres e LGBTQIA+. Mesmo mulheres livres, quando estão em relacionamentos, acabam priorizando as vontades individuais de seus parceiros e negligenciando a sí mesmas, o "pudor" exigido do sexo feminino, faz com que as mulheres tenham vergonhas de seus corpos, de sua genitália e de seus desejos. Enquanto o homem segue cada vez mais livre sexualmente, a mulher, assim como em todos os outros aspectos, ainda caminha um passo de cada vez.
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