Relatora da ONU apresentou dados sobre, em meio a desastres ambientais, mulheres estarem mais expostas a violações e terem 14 vezes mais chances de morrer do que os homens.
A relatora especial sobre violência contra mulheres e meninas da ONU, Reem Alsalem, apresentou, no dia 4 de outubro, um relatório em que detalha as vulnerabilidades enfrentadas por mulheres e meninas frente às mudanças climáticas e suas consequências diretas e indiretas.
De acordo com o relatório de Alsalem, a desenfreada degradação ambiental já desencadeia fenômenos econômicos e sociopolíticos que estão colocando mulheres e meninas em situações mais difíceis. Destacam-se, entre essas questões, a escassez de recursos, os conflitos armados e a necessidade de migração.
Esses tópicos têm ligação direta com problemas como o aumento do tráfico de mulheres e violência sexual e a sobrecarga de tarefas domésticas que atrasam a educação e dificultam a independência financeira.
A mudança climática não é só uma crise ecológica, mas fundamentalmente uma questão de justiça, prosperidade e igualdade de gênero intrinsecamente ligada e influenciada pela desigualdade e discriminação estruturais.
— Reem Alsalem.
"Quando desastres de início lento ou súbito atingem e ameaçam os meios de subsistência, as comunidades podem recorrer a mecanismos de enfrentamento negativos, como tráfico, exploração sexual e práticas nocivas como casamento precoce e infantil e evasão escolar; todos os quais forçam mulheres e meninas a escolher entre opções de sobrevivência imbuídas de risco", destaca Alsalem.
Segundo a pesquisa, determinados grupos específicos de mulheres e meninas acabam por se tornar mais vulneráveis, como as indígenas; de diversas identidades de gênero e orientações sexuais; mulheres mais velhas; mulheres com deficiência; mulheres em situação de extrema pobreza; mulheres obrigadas a se deslocarem à força; e defensoras de direitos humanos e ambientais.
"O Comitê para a Eliminação da Discriminação contra Mulheres reconheceu que mulheres e meninas estão expostas a maiores riscos de violência após desastres, com a ausência de proteção social e em situação de insegurança alimentar. O comitê também destaca a situação precária de campos e abrigos temporários", aponta o relatório.
Alerta já havia sido dado em junho
Siobhán Mullally, relatora especial sobre tráfico de pessoas da ONU, apresentou ao Conselho de Direitos Humanos dados sobre crianças e adultos trabalhando na informalidade e sem proteção. Mullally citou riscos de violência sexual para mulheres e meninas e o problema de acesso à terra para mulheres indígenas.
Ela também já havia destacado os altos índices de informalidade no setor agrícola, falta de proteção e de supervisão na indústria de produção de alimentos e trabalho infantil.
Outro problema é a predominância de tráfico humano para trabalho forçado em lavouras. Siobhán Mullally reforçou, também, a importância de medidas para combater o crime e de proteção de direitos humanos e ambientais.
A relatora salientou que meninas e meninos estão sendo alvos de riscos constantes no trabalho infantil nos campos, mesmo com o compromisso global para erradicar a prática até 2025.
A especialista também alertou sobre a situação das mulheres expostas aos riscos de tráfico e outras formas de violência, incluindo abuso sexual e assédio, como reforçado pelo relatório de Reem Alsalem.
Mullally mencionou a desigualdade de gênero na propriedade de terra, que leva à pobreza, à dependência e a maiores riscos de violência.
Recorte de gênero
Apesar de pesquisas do tipo circularem amplamente pelo menos desde 2020, Reem Alsalem destaca ainda a falta do recorte de gênero em pesquisas de impacto e em políticas de contenção dos efeitos da crise climática, assim como a baixa participação de mulheres na política como pilares que resultam na vulnerabilização de mulheres e meninas.
Alsalem requisitou que a ONU reforce o compromisso com a equidade de gênero e seja mais firme com os países com relação à contenção de riscos de desastres dos Direitos Humanos e às respostas à crise climática.
Para que nossos esforços conjuntos contra a mudança climática sejam verdadeiramente sensíveis e transformadores de gênero, as medidas para lidar com as vulnerabilidades enfrentadas por mulheres e meninas devem se basear no reconhecimento de seu papel e agência como partes interessadas poderosas no espaço político. O bem-estar e os direitos das mulheres e meninas não devem ser deixados de lado e devem ser colocados no centro das políticas e respostas.
— Reem Alsalem.
COP26 e o peso da crise climática sobre as mulheres
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021, que ocorreu entre 31 de outubro e 12 de novembro em Glasgow, Escócia, diversas mulheres discursaram sobre as mudanças climáticas não serem neutras em relação ao gênero e que as ações de enfrentamento exigem maior participação feminina.
A ativista do meio ambiente Samoa Brianna Fruean, à ocasião, citou: "estamos conectadas pelo fato de estarmos vivendo em um mundo quebrado que tem sistematicamente marginalizado mulheres e meninas. Especialmente mulheres e meninas de comunidades vulneráveis".
Fruean lembrou aos participantes da conferência que o peso da emergência climática que amplifica as desigualdades existentes é frequentemente mais suportado pelas mulheres.
Em países em desenvolvimento, são as mulheres as primeiras responsáveis por gerenciar o material ambiental ao seu redor: desde a coleta de água para cozinhar e limpar, o uso da terra para o gado, a busca por alimentos em rios e recifes e a coleta de lenha, as mulheres em todo o planeta usam e interagem com os recursos naturais e ecossistemas diariamente — e há muito tempo.
Segundo o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), também são as primeiras a sentir os efeitos da mudança climática ao precisarem percorrer distâncias cada vez maiores para encontrar o que precisam para alimentar suas famílias.
Histórico
Em 2020, a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) realizou um abrangente estudo sobre o tema, levando dois anos no processo e envolvendo mais de mil fontes de pesquisa.
"Achamos que a violência de gênero é generalizada e há evidências claras suficientes para sugerir que as mudanças climáticas estão aumentando a violência de gênero", citou Cate Owren, principal autora do estudo, que completou: "À medida que a degradação ambiental e o estresse sobre os ecossistemas aumenta, aumenta também a escassez e estresse para as pessoas, e as evidências mostram que, onde as pressões ambientais aumentam, aumenta a violência baseada no gênero".
A violência baseada em gênero inclui violência doméstica, agressão sexual e estupro, prostituição forçada, casamento forçado e casamento infantil, bem como outras formas de exploração das mulheres.
*A tabela ilustra como a discriminação social, cultural e legal baseada no gênero pode sustentar, reforçar e muitas vezes perdoar o uso da violência para manter as dinâmicas de poder de gênero relacionadas ao acesso, controle, gestão e benefício dos recursos naturais, especialmente em resposta aos estressores ambientais.
A violência baseada no gênero é uma das barreiras mais difundidas, mas menos faladas, entre as enfrentadas nos trabalhos de conservação e clima. Precisamos retirar as vendas cegam nossos olhos e prestar uma atenção concertada nestes fatos.
— Cate Owren.
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