Simone de Beauvoir é considerada a mais importante defensora da emancipação feminina e nome indispensável no movimento feminista.
Juventude
Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, conhecida apenas como Simone de Beauvoir, era a primogênita do casal Georges Bertrand de Beauvoir (advogado e ex-membro da aristocracia francesa) e Françoise Brasseur (membro da alta burguesia francesa).
Simone era vista como uma criança atraente e de "inteligência comum", mas muito mimada e obstinada em ter tudo o que queria e, com isso, fazia-se o centro das atenções de toda sua família, principalmente do pai, que era um leitor assíduo e interessado, e que levou Simone ao interesse pela literatura e por tudo aquilo que é considerado abstrato.
A influência da mãe, Françoise, sobre o gosto pela literatura também é inegável, uma vez que incentivava a filha até mesmo a criar suas próprias histórias.
Ainda na adolescência, Simone percebeu que sua inteligência notável a afastava dos colegas e, por isso, frequentemente sentia-se muito sozinha.
Quando tomou conhecimento do futuro que a aguardava, com um matrimônio certamente arranjado, filhos e tarefas domésticas, Simone de Beauvoir tornou-se questionadora das obrigações exclusivas às mulheres e dos direitos exclusivos aos homens, passando a estudar e criticar a sociedade patriarcal.
Simone estudou em um colégio católico privado até os 17 anos (mesmo após declarar-se descrente de Deus, aos quinze) e, posteriormente, estudou Matemática no Instituto Católico de Paris, Literatura e Línguas no colégio Sainte-Marie de Neuilly e Filosofia na Universidade de Paris.
Foi na Universidade de Paris que Simone conheceu outros jovens intelectuais,
como Maurice Merleau-Ponty, René Maheu e Jean-Paul Sartre, com quem manteve um casamento não oficial durante toda a sua vida.
Simone e Sartre
Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir se conheceram como estudantes em 1929, na Universidade de Paris (Sorbonne). Simone estudava para se formar professora do ensino médio.
Sartre, três anos mais velho, revoltado e com eminente raiva de seu padrasto, era um adolescente rebelde e, muitas vezes, roubava coisas. Quando percebeu que sua inteligência era uma grande "arma de conquista", Sartre
passou a usá-la para seduzir mulheres — de todos os tipos, de todas as idades.
Conhecido por seu comportamento rebelde e seu costume de fazer de tudo para chocar os colegas na universidade e a sociedade fora dela, Sartre colecionava eventos polêmicos: chegou a aparecer nu em um baile.
Quando conheceu a jovem e bela Simone de Beauvoir, Sartre se encantou com
sua inteligência. O encantamento foi mútuo, e ali começava um relacionamento que duraria até a morte de Sartre, cerca de cinquenta anos depois.
No último teste da universidade, não completamente induzido por suas vontades e sentimentos, Jean-Paul Sartre pediu Simone em casamento.
Simone recusou o pedido, informando a Sartre que mantinha relações com um de seus melhores amigos. Foi aí que surgiu em Sartre a ideia de um pacto: teriam um relacionamento permanente, mas aberto às relações externas, ou seja, ambos podiam ter outros parceiros, outros amantes.
A relação de Simone com Sartre surgia, para as mulheres, como promessa de uma nova estrutura conjugal, mais livre e equilibrada.
Alcancei — disse em suas memórias — um grande sucesso em minha vida: minha relação com Sartre (...) É bonito que nossas vidas tenham podido estar em harmonia tanto tempo.
Beauvoir e Sartre tiveram diversas "idas e vindas" no relacionamento, que foi cheio de provocações e discussões. A maior provocação de Sartre para com Simone foi a bela estadunidense Dolores Vanetti, Simone retribuiu à provocação mantendo um relacionamento com o escritor Nelson Algren, por quem declarou-se apaixonada diversas vezes.
Foi Algren quem deu para Simone um anel de prata que ela usou pelo resto da vida, e quem a pediu em casamento e teve o pedido recusado. Simone disse a ele — e ao mundo — que o amava, mas não deixaria Sartre.
Após a morte de Sartre, deitada sob o lençol, ao seu lado, Simone de Beauvoir escreveu: "Sua morte nos separa, minha morte não nos reunirá".
Trabalhos
Les Temps Modernes
Após graduar-se em Filosofia, Simone passou a lecionar a matéria contra sua própria vontade, apenas por questões financeiras, e atuou em diversas instituições escolares entre 1931 e 1943.
Junto com Jean-Paul Sartre, com quem já se relacionava havia alguns anos, Simone criou, em 1945, o Les Temps Modernes, um periódico em formato de revista, com circulação mensal, onde publicou seus primeiros trabalhos e ideias, antes mesmo de publicar seus ensaios e obras. A revista chegou a ser considerada a mais importante revista literária do período posterior à Segunda Guerra Mundial.
A Convidada
O primeiro livro de Simone de Beauvoir foi um romance, publicado em 1943 e denominado “A Convidada”. Esse livro narra os conflitos de uma mulher de trinta anos que, basicamente, é um alter ego da autora.
Em "A Convidada", Beauvoir trata questões da Filosofia Existencialista, o amor visto por diferentes ângulos, o ciúme, e outras questões naturais da humanidade como a decepção, raiva, frustração e individualidade.
A obra é baseada em fatores do relacionamento de Simone com Sartre e narrada no período de alguns meses antes da Segunda Guerra Mundial.
No livro "A Convidada", é exposta uma Paris vibrante, boêmia e com personagens intelectuais e artistas.
A obra baseia-se na relação dos personagens fictícios Françoise e Pierre Labrousse, um casal apaixonado, com uma relação firme e estável e fortes elos emocionais e intelectuais. A aparente perfeição do relacionamento do casal é posta à prova com a chegada de Xaviere, uma estudante recém-chegada à Paris e
que é uma grande ameaça ao relacionamento dos dois.
O interesse de Pierre em Xaviere acontece rapidamente, e os dois têm longas conversas e tornam-se íntimos, o que deixa Françoise profundamente enciumada e desiludida: o aparente conto de fadas que vivia com o marido se desfez e ela sente-se perdida de si mesma. Com isso, Françoise precisa pensar em uma maneira de afastar Xaviere e reconstruir a relação que tinha com o marido.
O Segundo Sexo
Em 1949, Simone de Beauvoir publicou sua obra-prima, o célebre e renomado "O Segundo Sexo", obra clássica relacionada ao movimento feminista.
O livro é dividido em várias partes, e sua publicação no Brasil possui dois volumes: "Fatos e mitos" e "A experiência vivida".
A primeira parte do livro, denominada "Destino" traz três relevantes pontos de vista: o ponto de vista biológico, o psicanalítico e a História. Com base nessas três aplicações, Simone expõe sua tese: não há nenhuma justificativa, em nenhum setor, para que a mulher seja considerada inferior ao homem. Com essa primeira explicação posta, ela passa a explicar o que teria causado essa situação.
A segunda parte, "História", é fruto de um extenso e intenso trabalho de pesquisa de Simone. Ela faz uma verdadeira viagem temporal, passando pela Idade Média e chegando aos tempos em que viveu, sempre expondo os aspectos que levaram as mulheres a ocupar posições demasiadamente diferentes das ocupadas pelos homens na sociedade.
"Os mitos", terceira parte do livro, examina obras de autores importantes e conhecidos, com uma análise crítica sobre os pensamentos expostos por eles.
Política
O Les Temps Modernes veiculava notícias, artigos e todo tipo de textos, e um de seus principais focos era a política.
Ao lado do companheiro, Jean-Paul Sartre, Simone foi evidência no mundo todo em relação a assuntos políticos.
O livro "O Segundo Sexo" chocou a sociedade. As reações contrárias à obra foram radicais e violentas. Direita e esquerda, chocadas com o que dizia Simone, passaram a ter algo em comum: reprovavam suas ideias, principalmente sobre matrimônio e maternidade. A Igreja Católica proibiu a obra.
Com a intensa repercussão do livro, Simone deixou Paris e partiu em viagem com Algren, passando por lugares da Europa e o norte da África.
Entre os anos 1950 e 1960, a ação política de Jean-Paul Sartre manteve o casal em movimento: eles viajaram à então União Soviética, China, Suécia, Brasil e outros locais. Ambos eram reconhecidos e tiveram contato com diversas personalidades históricas de nações diferentes. No Brasil, o casal tornou-se amigo de Jorge Amado e Zélia Gatti.
Feminismo
Uma crítica não raramente feita a Simone de Beauvoir é a de que ela era feminista em seus livros, mas não em seu relacionamento com Sartre, em que, muitas vezes, ocupava um lugar subordinado.
Em textos pessoais, Simone afirma que não foi feminista e que sua obra "O Segundo Sexo" não foi elaborada para ser um livro feminista, mas reconhece sua alienação e as mudanças pelas quais passou durante a vida e passa a afirmar-se no feminismo nos anos 1970.
Simone em uma análise de si mesma e de sua trajetória de vida dos 20 aos 30 anos e das críticas que recebeu por "O Segundo Sexo":
"Sei que lendo esta biografia certos críticos vão triunfar: dirão que desmente brutalmente O Segundo Sexo, já o disseram a propósito de minhas memórias. É que não compreenderam meu velho ensaio e talvez mesmo dele falem sem o ter lido. Escrevi porventura algum dia que as mulheres eram homens? Pretendi não ser uma mulher? Meu esforço foi, ao contrário, o de definir em sua particularidade a condição feminina que é minha. Recebi uma educação de moça; terminados meus estudos, minha condição continuou a ser a de uma mulher no seio de uma sociedade em que os sexos contituem duas castas nitidamente separadas. Em numerosas circunstâncias, reagi como a mulher que era.
Por razões que expus precisamente em O Segundo Sexo, as mulheres, mais do que os homens, experimentam a necessidade de um céu por cima da cabeça; não lhes deram essa têmpera que faz os aventureiros, no sentido que Freud dá à palavra; elas hesitam em discutir a fundo o mundo, como hesitam também em aceitá-lo. (...)
Viu-se entretanto que eu atribuía pouca importância às condições reais de minha vida: nada travava a minha vontade, pensava. Não negava a minha feminilidade; não a assumia tampouco. Não pensava nela. Tinha as mesmas liberdades e as mesmas responsabilidades que os homens. A maldição que pesa sobre a maior parte das mulheres — a dependência — foi-me poupada. Ganhar a vida não é em si um fim, mas somente assim se alcança uma sólida autonomia interior. (...)
Sei hoje que, para me descrever, devo dizer primeiramente: "Sou uma mulher"; mas minha feminilidade não constituiu para mim nem um incômodo nem um álibi".
A questão do aborto
Em 5 abril de 1971, o Nouvel Observateur publicou um manifesto assinado por Simone de Beauvoir que ficou conhecido como o "Manifesto das 343", No documento, ela e outras mulheres conhecidas admitiam ter feito aborto ilegal e exigiam que o governo francês garantisse às mulheres o direito à contracepção gratuita e à legalização do aborto. O documento gerou um escândalo, causando humilhação pública para com as mulheres cujos nomes nele apareciam.
O documento pretendia pressionar o governo francês, obrigá-lo a encarar que o aborto acontecia livremente, sem que o Estado tomasse nenhuma atitude. A colocação de mulheres famosas no assunto impedia que as autoridades ignorassem o tema. À época, assinar o documento seria a chance de defesa de mais de um milhão de mulheres francesas que faziam abortos ilegais a cada ano. O aborto foi legalizado na França em 1974, mas só na década de 1980 passou a ser possível pelo sistema público de saúde do país.
No livro "O Segundo Sexo", Simone mostra como o controle do aborto é o controle da sexualidade da mulher. O terror de engravidar fazia com que muitas mulheres só se iniciassem sexualmente após o casamento. Além disso, a criminalização do aborto era instrumento de dominação, assim como o mito do amor materno. Exigir que uma mulher tenha um filho que ela não deseja, não pode criar, e talvez não esteja disposta ou capacitada para amar, é tirar dela o poder de decisão sobre sua vida. Como ao homem é dado esse poder, é também negar a igualdade.
Simone lembra que o aborto também é uma estratégia de dominação de classe: se a classe trabalhadora não tem acesso a ele, se reproduz mais, a mão de obra disponível é mais numerosa, os salários são mais baixos, a possibilidade de ascensão e as oportunidades, menores. E, além disso, mulheres ricas teriam acesso a médicos de qualidade e realizariam o aborto de qualquer maneira, mas com mais segurança do que as mulheres pobres. Nega-se, assim, a possibilidade de igualdade de direitos das mulheres ricas e pobres.
Querer-se livre é também querer livres os outros.
— Simone de Beauvoir
Simone também alega que transformar o aborto em crime é uma forma de impor às mulheres diversas maneiras de sofrimento. Se ela opta pelo aborto, tem de carregar o título de "criminosa". Se opta por ter um filho que não deseja, carrega consigo a culpa e a carga afetiva negativa dessa relação. Proibir o aborto, portanto, seria manter as mulheres sob o título de "culpadas", culpadas perante a lei e a sociedade, culpada pela família — e pela sociedade — por não desejar um filho.
Mais uma vez, Simone expõe sua teoria de que não existe uma natureza feminina. Não existe uma natureza que exija a maternidade, existe o desejo e a vocação para tal.
Existencialismo
Sobre o Existencialismo, é importante saber que a contribuição mais importante desta escola é sua ênfase na responsabilidade do homem sobre seu destino e no seu livre-arbítrio.
Nascida no século XIX, através das ideias do filósofo Kierkegaard, esta corrente filosófica teve seu apogeu na década de 1950, principalmente com os trabalhos de Jean-Paul Sartre.
Para os filósofos existencialistas, a existência tem prioridade sobre a essência humana, portanto o homem existe independente de qualquer predefinição estabelecida sobre ele.
Simone de Beauvoir aplicava o existencialismo à análise dos papeis dos sexos. Jean-Paul Sartre tinha afirmado que o homem não tem uma natureza eterna a que se agarre, que nós próprios criamos o que somos.
Simone defende que não existe uma natureza feminina e uma natureza masculina, que essa separação é apenas uma opinião tradicional passível de análise e mudança: a de que o homem é mais transcendente e que supera o
mundo sensível e que a mulher, pelo contrário, é imanente, ou seja, que está onde está, constante, sente apenas o que lhe é permitido sentir e existe apenas em algo.
No livro "O Segundo Sexo", por exemplo, podemos notar a percepção de Simone de que, na sociedade, existe um único sujeito: o homem, e que a mulher é tratada como objeto, propriedade. Para ela, é direito e dever da mulher conquistar para si uma identidade e não ligar-se à do homem. Com efeito, não é apenas o homem que oprime a mulher, mas também a própria mulher, que não assume as responsabilidades sobre sua vida.
O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.
— Simone de Beauvoir
Autismo
Diversos autores e pensadores já expuseram suas teorias de que Simone de Beauvoir fosse autista. Eles se baseiam, majoritariamente, na própria obra da autora e em relatos de parentes sobre ela.
Em seu livro "Memórias de uma moça bem-comportada", uma obra autobiográfica, Simone descreve a si mesma como "uma garotinha amada e feliz", mas cita "deve haver algo errado em algum lugar: eu tive ataques de raiva durante os quais meu rosto ficou roxo e eu caía no chão em convulsões".
Nesse site, o autor também cita um acontecimento de quando Simone de Beauvoir tinha apenas três anos, e sua mãe lhe recusara descascar uma ameixa. Simone teria se jogado no chão e começado a "uivar".
É uma reação comum, a qual todo ser humano está sujeito. Diz-se, das crianças sem nenhum diagnóstico de autismo, que fazem pirraça. Para crianças autistas, no entanto, essas "pequenas crises" são comuns por representarem ameaças à constante necessária para o cérebro.
Sobre Simone, também foi dito que, assim como observado em autistas, tinha pensamentos e opiniões "preto no branco", ou seja, literais e extremas.
Apesar das teorias, nunca foi de fato comprovado que Simone fosse autista.
Falecimento
Simone de Beauvoir publicou, em 1981, "A Cerimônia do Adeus", sobre os últimos anos de Sartre, que falecera no ano anterior.
Apenas 5 anos depois, em decorrência de uma pneumonia, Simone também faleceu. A filósofa tinha 78 anos, e foi enterrada junto ao companheiro em um cemitério de Paris.
Simone não teve filhos biológicos, mas deixou sua filha adotiva e herdeira de sua obra, Sylvie le Bon de Beauvoir, responsável por diversas publicações póstumas.
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