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Foto do escritorNatália Aguilar

A parentalidade pela via da adoção: a criação de filhos por casais homoafetivos

Construção de parentalidade por adoção de casais homoafetivos ainda enfrenta desafios, mas histórias de famílias seguem encantando



A adoção sempre ocorreu ao longo dos anos na humanidade e era compreendida como o acolhimento de crianças como filhos naturais nas famílias. Desde a antiguidade, foi-se construindo uma ideia da adoção como ato de caridade, que perdura até os dias de hoje, em algumas circunstancias. Atualmente, ela ocorre apenas com interferência do Estado, o que anteriormente não ocorria.


Em 1990, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual considera a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, principalmente de uma convivência familiar e do estabelecimento de vínculos, por isso, é papel do Estado fortalecer o sistema familiar que, mesmo possuindo configurações variáveis, é caracterizado como lugar de presença de afeto e cuidado.


Adoção, então, é quando um adulto se interessa por uma criança que está sob os cuidados do Estado e, por lei, a aceita como seu filho. Desde março de 2015 ela é permitida a casais homoafetivos que desejam exercer a parentalidade por esta via, ampliando a possibilidade de uma criança que foi abandonada ou destituída do poder familiar, vivenciar o afeto e cuidado referidos.


A construção da parentalidade pela via adotiva possui algumas questões que precisamos levar em conta: é importante compreender que a criança que será adotada geralmente possui uma história de vida difícil e que os adotantes terão de estar abertos e ter disponibilidade afetiva para acolher isso, compreendendo que o tempo de adaptação sempre será da criança e que esta estará vivenciando muitas novidades nas quais não está habituada. Assim, na formação dos vínculos da criança que é adotada, é comum observarmos encantamento, desilusões, regressões, aculturação, consolidação do vínculo, curiosidade sobre a origem e a desmistificação do tema como tabu, principalmente quando falamos da adoção por casais homoafetivos.


Para abordar melhor o tema e seus desafios envolvidos, conversamos com a Doula de Adoção Betho Fears (@papaipeando), casado com Erick e ambos pais da Teté.


Betho relata que o desejo da adoção sempre existiu, antes mesmo de ele e Erick se conhecerem, ainda que ambos não tenham sido educados para isso. Traz que o assunto do desejo à parentalidade já surgiu no primeiro encontro, então não consegue definir a data exata desta vontade, por considerar algo já presente desde há muito tempo.


Stephanie (Teté) chegou aos 6 meses, em 2018. Todo o processo até sua chegada só foi compartilhado com os pais, irmãos e 3 amigos de Betho e Erick, pois eles optaram por se preservar da ansiedade que já existia, mas que poderia ser potencializada pelos questionamentos que poderiam surgir. Além disso, depois da chegada da filha, ainda tiveram que lidar com julgamentos da sociedade, no que tange principalmente a habilidade de serem bons pais para Teté.


Betho relata que ambos trabalhavam na época. Ele tirou uma licença paternidade de 5 dias + 10 dias de férias e Erick tirou 4 meses de licença maternidade. Esses nomes são questionados pelo casal, pois eles acreditam que este tempo se refere à uma licença parental ou licença de adoção. Logo após seu retorno ao trabalho Betho é demitido, havendo segundo ele, uma reprodução do que acontece com muitas mulheres que são enxergadas no meio profissional como contraproducentes, por terem tido filhos. Fica 4 meses desempregado, tempo este que pôde vivenciar juntamente com Erick todo o processo de adaptação da rotina, criação de vínculos e troca de afeto com a Teté. Mesmo assim, o período foi bastante conturbado, no qual eles contaram com o auxílio de sua mãe nos 3 primeiros dias e, depois, optaram por ficar apenas os 3 na convivência do que ele chama de “ninho”.


Apesar de muitos não acreditarem, Betho e Erick tiraram de letra os cuidados com a filha e vivem numa constante luta para que o lugar de pai de ambos seja reconhecido, pois percebem que a sociedade sempre busca pela mãe ou por quem faz o papel de mãe na relação no que tange a educação e criação de uma criança. Cita o TEDX que participaram “Cadê a mãe dessa criança?”, no qual abordam essa reflexão e acreditam que ambos desempenham o papel de pai de forma ativa, fazendo aquilo que eles entendem que todo pai deveria fazer.


Betho aponta que as maiores dificuldades que encontram na criação da filha, diz respeito ao quanto a sociedade ainda tem dificuldade de enxergar modelos familiares como o dele e relata uma cena bastante comum quando vão em algum lugar e Teté pede para ir ao banheiro (onde só existem banheiros masculinos e femininos). Alega que sempre aparece uma mulher se oferecendo para levá-la ao banheiro, mas esta mesma mulher não se ocupa de exigir junto com eles, banheiros família ou sem gênero para o uso nesses locais. Remete que, na maioria das vezes, usa o banheiro de deficientes, mas com muito desconforto e tristeza “É como se eu tivesse, ao passar por aquela porta, assumindo que minha família é deficiente de alguma coisa...”.


Outra grande dificuldade é a invisibilidade que existe tanto na escola como na família no fato de Teté ser uma criança adotiva. Há uma cobrança de que ela deva ter determinado comportamento, olhando-se apenas pelo viés de um filho biológico e esquece-se da vida cheia de lacunas que ela teve. Betho acredita que falamos muito pouco sobre a adoção e que isso se torna um fator impactante de forma muito negativa na criação dos filhos neste cenário.


Esta última dificuldade relatada, é abordada por Betho, no fato de Teté com 6 anos de idade já ter passado por 4 escolas diferentes, justamente pela dificuldade de as escolas conseguirem olhar para Stephanie considerando o fato de ela ter 2 pais e de carregar consigo a história da adoção. As principais dificuldades vivenciadas nas 3 escolas anteriores a atual giravam em torno das comemorações de dia dos pais e dia das mães; das lembrancinhas confeccionadas para estas ocasiões; do material didático solicitar o envio de fotos do nascimento, história da escolha do nome, receita da primeira papinha etc. O casal sempre cobrou as escolas sobre essas ações, mas com isso, foram percebendo que, de forma subliminar, eram colocados em um lugar de pessoas “não gratas”, dando a entender pelas escolas que era melhor que eles não estivessem ali. Acredita que a escola esquece do seu papel político e social na construção das famílias e peca muito por não dar importância a esses aspectos.


No que diz respeito às redes de apoio, entende que há diferentes redes de apoio de uma forma geral. Considera que uma rede de apoio efetiva é aquela que auxilia nas tarefas diárias para que o adulto cuidador fique empenhado na vinculação com a criança, principalmente em casos de adoção. Nos casos de casais homoafetivos, percebe essa rede de apoio majoritariamente feminina (pelo menos em sua vivência), as quais estas acabam tentando suprimir o que elas acreditam que seja uma lacuna, o lugar da mãe vago. Ele reafirma que não precisam de ninguém assumindo o papel de mãe na vida de Teté, mas sim que o papel de ambos como pais dela seja validado.


Seu trabalho como Doula de Adoção é baseado em 3 pilares para quem esteja em qualquer fase de um projeto adotivo ou para pessoas adultas que foram adotadas quando criança. Estes pilares são o apoio emocional, o apoio prático e a curadoria.


Seu propósito é desconstruir a ideia de adoção como via de caridade e coloca-la no lugar de via de parentalidade, pois acredita que um filho adotado não precisa ser 100% grato e nem o pai adotante ser100% benevolente. É um trabalho de conscientizar a possibilidade de um adotante poder e ter direito de assumir o lugar de parentalidade.


E, para finalizar, em entrevista ao SBT Brasil em 25/05/2024, Dia Nacional da Adoção, Betho revela que a primeira fala dele e de Erick com Teté, enquanto ela ainda estava no serviço de acolhimento foi “Você aceita ser nossa filha?”. Na mesma entrevista, Erick revela que, para ele, a definição de adoção, refere-se ao respeito à história da criança que chega em sua vida e acreditam que uma adoção bem sucedida é aquela em que “conseguimos entender a nossa fragilidade e a fragilidade da criança e unir todos os abandonos em prol do amor de uma família”.



Diante disso, é extremamente importante considerarmos as reflexões dos entrevistados, pensando sempre em todas as perdas que uma criança que é adotada passa, bem como nas perdas vivenciadas por um casal homoafetivo para serem reconhecidos na sociedade, não só como casais, mas também como pais. É fundamental que falemos acerca das diversas camadas de lutos envolvidos em todos esses processos, para que consigamos, pouco a pouco, modificar o cenário tradicional que ainda vivenciamos de maneira obsoleta, em pleno século XXI.

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