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  • Foto do escritorNatália Aguilar

Aborto: a polêmica escancarada e a dor silenciada

Ainda que se passe o tempo, falar sobre aborto segue um tabu que nunca deveria ter sido.



Independentemente do momento, um tema bastante pertinente a ser discutido é a questão do aborto, espontâneo ou provocado, bem como todos os atravessamentos que a mulher poderá passar diante dessa situação.


Temos, por definição, o termo "aborto" como a "interrupção da gestação pela remoção ou expulsão de um embrião ou feto do corpo da mulher". Ele pode ser espontâneo ou induzido e, no Brasil, o aborto induzido é considerado crime, permitido por lei em apenas 3 situações: casos de violência sexual, risco de morte materna e casos de anencefalia fetal.


O abortamento provocado tem uma incidência de morte materna maior em países em que é proibido, sendo 330 mortes para cada 100 mil abortos induzidos. Nos países em que é legalizado, esse número vai para a proporção de 1,2 casos que terminam em morte.


O aborto induzido não pode ser tratado como uma questão moral e sim uma questão de saúde pública, assim, questões políticas, morais, filosóficas e religiosas não poderiam se sobrepor às evidencias científicas, pois isso leva as mulheres a realizarem os abortos de maneira insegura, aumentando, assim, a incidência de mortalidade materna.



A mortalidade materna é considerada pelos órgãos de saúde como a principal causa de morte da mulher na gestação, no parto e até 42 dias do pós parto, e são atribuídas 5 causas mais relevantes para que ela ocorra: hemorragia severa, infecções, hipertensão, complicações do parto e abortamento inseguro, sendo que este último ocupa o primeiro lugar no ranking.


As estatísticas mostram que, em países restritivos, 56% dos abortamentos acontecem de forma insegura. Já em países permissivos, esse número cai para 13%. O que é importante ressaltar é que não importa se a lei é restritiva, o aborto irá ocorrer, pois a mulher não deixa de abortar, mas sim de realizar o aborto de maneira segura.


Créditos de imagem: Agência Brasil

Como já mencionado, a lei brasileira garante o abortamento induzido nas situações de estupro, risco de morte materna e anencefalia do feto. Essa lei foi criada em 1940, porém somente em 1989 que surge o primeiro local de acolhimento e assistência a esses casos no Brasil. Ainda com a lei, existem muitas barreiras para o acesso aos serviços de abortamento legal, tais como: não haver muitos lugares adequados para isso; haver lugares, mas não estarem ativos; profissionais que desencorajam a mulher a realizar o aborto; muitos lugares exigirem boletim de ocorrência — que na verdade não é necessário —; o fato de muitas mulheres não declarem viver a violência sexual, principalmente quando cometida por seus parceiros; a violência no cuidados dos profissionais de saúde para com a mulher; objeção de consciência, ou seja, quando o profissional se nega a fazer a procedimento por seus próprios preceitos morais; o não conhecimento da lei pelos profissionais da saúde; racismo; profissionais não capacitados; limite colocado na idade gestacional para a realização do aborto, sendo que no código penal não há nada previsto; falta de equipe multiprofissional para atuação com essa temática; falta de escuta qualificada etc.


Nos casos de abortamento por risco de morte materna, há a necessidade de o laudo ser assinado por dois médicos, sendo um deles especialista na comorbidade materna, sem ser necessária autorização judicial. Nestes casos, a mulher e família precisam ser acolhidas, pois possivelmente lidaremos com famílias que desejaram muito esse filho e precisarão de acolhimento emocional.


Nos casos de violência sexual, não se faz necessário a apresentação de boletim de ocorrência ou laudo do IML para que que seja realizado o aborto. Nestes casos, a fala da mulher já deveria ser o suficiente e esta ter a credibilidade necessária para o seu acolhimento. No entanto, em muitos casos, a equipe se saúde acaba por desempenhar um papel que não é dela, questionando, interrogando, denunciando ou punindo essa mulher e exigindo provas de que o estupro realmente aconteceu. Além disso, é configurado crime o ato do profissional da saúde revelar o desejo da mulher em realizar o aborto para qualquer que seja pessoa ou instituição pois há a quebra de sigilo profissional.


Nos casos de anencefalia, é necessário exame de ultrassonografia que comprove o diagnóstico, assinado por dois médicos e um consentimento da mulher para a realização do aborto.


Com relação à objeção de consciência, citada anteriormente, ela não poderá ser praticada pelo profissional de saúde nas seguintes situações: risco de morte materna pela não realização do aborto; quando a paciente pode sofrer danos ou agravo da saúde pela omissão do profissional; no atendimento de complicações decorrentes do aborto inseguro; quando inexiste outro profissional que realize o procedimento; e nos cuidados pós abortamento. É dever do profissional de saúde prestar cuidado humanizado, diligente e empático e não é papel interrogar, julgar, denunciar ou punir.


A violência obstétrica é algo que pode ocorrer em casos de aborto induzido e ela poderá agravar a situação da mulher. Pode acontecer das seguintes formas: pelo estigma da criminalização do aborto e, com isso, há muitas mulheres que sofrem caladas; negação de tratamento para dor; discriminação social, racial, de gênero ou étnica; agressão física; ameaça de denúncia à polícia; negação do abortamento, mesmo ele sendo previsto por lei; quando a mulher sabe que será mal tratada nos serviços legais, ela acaba procurando formas ilegais e inseguras para a sua realização.


Neste contexto, e para finalizar essa polêmica discussão, é importante frisar que ser contra o aborto é diferente de ser contra a legalização do mesmo, pois quando ele não é legalizado, há um número de morte materna muito elevada em virtude do aborto ilegal e inseguro.


Olhando então para o contexto emocional da mulher que sofre o aborto, seja ele espontâneo ou provocado, é importante frisarmos que em todas as situações essa mulher poderá passar por uma situação de luto. O luto do bebê idealizado e esperado, nos casos de abortamento espontâneo e, o luto por uma escolha, nos casos do abortamento provocado. É importante destacar que ambas situações nos remetem à perdas e, nosso papel, principalmente dos profissionais de saúde, não é o de julgar, mas sim o de acolher a perda vivenciada ou a decisão tomada, pois tratando-se de um luto não reconhecido, o luto por abortamento acaba por silenciar as mulheres que são atravessadas por essa experiência e, quando se tem uma dor silenciada, se tem também a solidão na travessia desse processo que por si só já é tão duro.


Possamos então, trazer à luz não a polêmica do tema, mas sim a sua complexidade, individualidade e nuances envolvidas, para que seja possível a construção de uma sociedade mais igualitária e respeitosa, sem que julgamentos morais façam parte da história e escolhas individuais de cada sujeito.

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