Nascida escrava, a pioneira ativista Harriet Tubman foi responsável por libertar mais de 300 pessoas escravizadas.
Origem e família
Não se sabe exatamente a data de nascimento de Harriet Tubman — nascida Araminta Ross —, mas alguns historiadores acreditam que tenha se dado entre os anos 1820 e 1825, no Condado de Dorchester, estado estadunidense de Maryland.
Seus pais, Harriet Green e Ben Ross eram escravos de grandes propriedades do Condado, sendo a mãe uma cozinheira e o pai, um lenhador. Harriet Green e Ben Ross tiveram juntos nove filhos.
Três das irmãs de Harriet foram vendidas para longe e nunca mais reencontraram a família.
Também não é conhecida a fundo a ancestralidade de Harriet. Tudo que se sabe, de fato, é que sua avó materna, Modesty, chegou aos Estados Unidos em um navio negreiro vindo de algum país africano. Acredita-se, pelos traços de Harriet e membros de sua família, que tenha sangue axante, do grupo étnico Axante, que vive na região homônima, em Gana.
Em sua infância, Harriet (ainda Araminta) trabalhou como babá, "alugada" para uma dona de casa da região. Nesse período, foi açoitada e chicoteada diversas vezes, sempre que o bebê chorasse.
Conforme crescia e tornava-se "mais forte para o trabalho", foi designada para trabalhos no campo e na florestas, conduzindo bois, arando o campo e carregando troncos.
Ainda adolescente, foi vítima de um "acidente" quando um capataz atirou um peso de cerca de 900 gramas em um homem escravizado que tentava fugir, mas acabou atingindo Harriet, que teve um traumatismo craniano severo.
Depois desse episódio, Harriet passou a ter dores de cabeça insuportáveis, desmaios, convulsões e "visões". Pesquisadores teorizam sobre uma espécie de epilepsia após o trauma.
Harriet Tubman acreditava que as visões que tinha eram revelações divinas, o que a aproximou da religião e, mesmo que fosse analfabeta, seguiu o Novo Testamento em detrimento do Velho Testamento, que condicionava os escravos a aceitar sua condição e manter a obediência.
Casamento e fuga da escravidão
Harriet se casou, por volta de 1844, com John Tubman, um homem negro livre. As condições dos dois eram instáveis, já que Harriet ainda era escrava.
Foi, inclusive, logo depois de seu casamento que Harriet mudou seu nome de Araminta para o mesmo nome que levava sua mãe.
Em 1849, Harriet ficou doente mais uma vez, o que despertou o interesse por sua venda, mas não havia potenciais compradores. Tubman, então, começou a rezar por seu proprietário, pedindo a Deus que mudasse seu comportamento. A própria Harriet chegou a dizer: "Rezei a noite toda por meu mestre até o primeiro de março; e o tempo todo ele estava trazendo gente para me observar e tentando me vender. Quando parecia que a venda seria concluída, eu mudei minha prece (...) No primeiro de março, comecei a rezar, 'Oh, Senhor, se não vai nunca mudar o coração daquele homem, mate-o, Senhor, e tire-o do caminho'."
Uma semana depois, o proprietário morreu. Com isso, sua esposa passou a buscar vender os escravos, já que uma crise os assolava, mas Harriet não mais permitiu que decidissem seu destino. Disse ela: "Havia uma de duas coisas a qual eu tinha direito: liberdade ou morte; se não pudesse ter uma, eu teria a outra".
Harriet, então, fugiu com seus irmãos em setembro de 1849. Duas semanas depois, um aviso foi publicado em um jornal sobre sua fuga, com uma recompensa de cem dólares para cada um que fosse encontrado e devolvido.
Os três acabaram voltando à propriedade, mas Harriet, dessa vez sozinha, fugiu novamente, utilizando a "Underground Railroad" ("Ferrovia Clandestina", em tradução livre para o português), que se tratava de uma rede secreta de rotas e esconderijos utilizados sobretudo para fuga para estados livres ou para o Canadá.
Na época, "caçadores de escravos" viajavam por essas rotas aos montes, em busca de capturar fugitivos e receber recompensa por sua devolução, ao passo que outros negros livres e escravizados, além de abolicionistas brancos, ajudavam na jornada.
Harriet recebeu ajuda de aliados e se escondeu nas florestas quando necessário, até chegar à Pensilvânia. Mais tarde, ela relembrou esse período como glorioso.
Quando vi que havia cruzado a linha, olhei minhas mãos para ver se ainda era a mesma pessoa. Havia uma glória tão grande permeando tudo; o sol veio como ouro através das árvores e sobre os campos, e senti como se estivesse no paraíso.
— Harriet Tubman.
Na Pensilvânia, refugiou-se na Filadélfia. Mas, lá, ainda pensava em sua família e no fato de que todos eles deveriam estar livres. Em um estado livre, Harriet Tubman pôde trabalhar e juntar algum dinheiro. Na mesma época, o Congresso enrijeceu, aprovando o Fugitive Slave Act of 1850 ("Lei do Escravo Fugitivo de 1850", em tradução livre para o português), um tratado que punia aqueles que ajudassem escravos fugitivos, mesmo em estados que já haviam proibido a escravidão. Policiais também foram movidos a realizar essas capturas.
Harriet, a guia
Harriet começou a ajudar outros a fugirem a partir de sua própria família, auxiliando sua sobrinha e os filhos a se refugiarem na Filadélfia, ainda que não fosse mais tão seguro. Depois, retornou a Maryland para buscar outros familiares e ajudar em sua fuga.
No outono de 1851, Harriet voltou ao condado de Dorchester pela primeira vez desde sua fuga, para encontrar seu marido, John. Ela havia economizado dinheiro de alguns trabalhos e até lhe comprara um terno novo, mas descobriu que John se casara novamente e não pretendia partir com ela, o que despertou sua raiva. Contudo, ignorou sua vontade de se vingar do homem que amava e encontrou refúgio ajudando outros indivíduos escravizados em suas fugas.
Por onze anos, Harriet Tubman ia e voltava de Maryland para resgatar pessoas escravizadas. Estima-se que foram treze expedições, ajudando cerca de 70 pessoas. Aproximadamente outras 60 foram orientadas por ela sobre como fugir para o norte.
A líder e heroína recebeu o apelido bíblico de "Moisés", uma alusão à libertação dos hebreus da escravidão no Egito pelo profeta.
Harriet Tubman também andava um revólver e não tinha medo de usá-lo. A arma lhe conferia proteção dos caçadores de escravos e seus cães, mas também tinha outro propósito: com ela, Harriet também ameaçava qualquer indivíduo escravizado resgatado que tentasse voltar atrás, já que isso ameaçava a segurança de todo o grupo.
Enquanto tudo isso acontecia, os senhores de escravos da região jamais pensaram que "Minty", como era chamada, uma escrava deficiente de um metro e meio de altura, estivesse por trás de tantas fugas bem orquestradas — e bem sucedidas.
Tubman nunca foi capturada. Nem as pessoas escravizadas que ela ajudou a libertar.
Refúgio e mistério
No início de 1859, um senador republicano vendeu a Tubman um pequeno terreno próximo a Auburn, em Nova York. A cidade tinha diversos ativistas abolicionistas e foi uma ótima oportunidade para Harriet oferecer mais conforto a seus pais, já idosos.
Ela também abrigou outros familiares e amigos por anos em sua propriedade.
Na mesma época, Harriet viajou novamente a Maryland, e voltou com uma sobrinha de 8 anos, Margaret, cujos pais têm identidade desconhecida. Anos depois, a filha de Margaret alegou que Harriet a havia sequestrado e tirado de uma boa vida.
Historiadores e biógrafos acreditam — sem provas — que Margaret fosse, na verdade, filha da própria Harriet, e apontaram importantes semelhanças físicas entre as duas, com as quais a própria filha de Margaret concordou.
Guerra Civil, casamento e vida posterior
Durante a Guerra Civil Americana, Harriet se juntou a um grupo de abolicionistas que se juntavam em acampamentos e resgatavam fugitivos.
Ela também atuou como enfermeira, preparando remédios a partir de plantas e cuidando de soldados locais. À época, cuidou de diversos homens com varíola, mas nunca contraiu a doença, e histórias de que ela era especialmente abençoada por Deus se espalharam.
Por algum tempo, Harriet recebeu rações do governo, mas uma pequena revolta começou a se instalar entre alguns indivíduos recém-libertos, que achavam que ela recebia tratamento especial. Para amenizar os ânimos, Harriet parou de aceitar as rações e, para sobreviver, começou a fazer e vender tortas e uma espécie de cerveja norte-americana chamada "root beer" que ela fazia em seu tempo livre (à noite).
Em 1863, Harriet Tubman se tornou a primeira mulher a liderar um ataque militar durante a Guerra Civil.
Mais de 750 escravos foram resgatados no ataque comandado por Tubman. À época, foi reconhecida nos jornais por seu "patriotismo, sagacidade, energia e habilidade".
Em 1869, ao fim dessa jornada, Harriet ainda enfrentava o preconceito e a violência, e teve seu braço quebrado por ocupar um lugar comum em um trem, recusando-se a se mudar para o vagão de fumantes e mostrando o documento que lhe permitia estar ali.
No mesmo ano, Harriet se casou novamente, com um fazendeiro e ex-soldado chamado Nelson Charles Davis, que tinhq 22 anos a menos que ela. Em 1874, os dois adotaram sua filha, Gertie.
Como a situação de Tubman com o governo era confusa, ela acabou dependendo de amigos e voluntários para subsistir nos anos subsequentes. Uma amiga publicou a primeira biografia, que rendeu a Harriet algum dinheiro.
Em seus últimos anos de vida, Harriet se juntou à causa sufragista, viajando diversos estados em defesa dos direitos políticos das mulheres. Por isso, foi ainda mais reconhecida em jornais por todo o país. No entanto, permanecia na pobreza, já que sempre doava tudo que tinha.
As dores de cabeça, desmaios e convulsões que decorreram de sua lesão na adolescência se agravaram com a idade e, em certo momento, Harriet se tornou tão frágil que precisou ser internada em um asilo que recebera seu nome em homenagem.
Harriet Tubman faleceu de pneumonia em 1913, 25 anos após o falecimento de seu marido, Nelson.
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