Dirigido por Sofia Coppola, longa 'Priscilla' foi lançado em 2023 e cercado por polêmicas sobre a família Presley.
O filme 'Priscilla' foi dirigido por Sofia Coppola, ganhadora do Oscar de Melhor Roteiro Original pelo filme 'Lost in translation' em 2003, terceira mulher a ser indicada para o Oscar de Melhor Diretor. 'Priscilla' foi lançado em 2023 e cercado por polêmicas envolvendo a família Presley. Isso porque foi baseado no livro "Elvis and me", escrito por Priscilla Presley em 1985, que retrata um lado não tão agradável do rei do rock’n’roll, Elvis Presley. O livro parte da experiência de Priscilla no relacionamento com Elvis e deixa entrever um lado do cantor que talvez muitas pessoas não conheçam, bem como a forma como o relacionamento entre os dois causou impactos significativos sobre como Priscilla se relacionava consigo mesmo.
Segundo entrevista de Sofia Coppola, seu interesse era mostrar como era o relacionamento por trás de portas fechadas. O filme acompanha o período inicial em que Priscilla e Elvis se conhecem e engatam um namoro, passa pela mudança de Priscilla para Graceland, a casa do cantor nos Estados Unidos, o casamento e o nascimento da filha do casal. A caracterização da atriz Cailee Spaeny, que interpreta Priscilla deixa entrever a ingenuidade da jovem de apenas 14 que conhece Elvis enquanto ele servia no exército estadunidense, alocado na Alemanha, quando tinha 24 anos. Ao longo das cenas, vamos acompanhando o amadurecimento de Priscilla, processo controlado por Elvis de diferentes formas.
A polêmica do filme envolvendo a família Presley partiu da filha do cantor com Priscilla, Lisa Marie Presley, que contatou Coppola para pedir que ela reconsiderasse a forma como retratou Elvis no roteiro. Segundo Lisa Marie, seu pai foi retratado como um predador, o que ele não era. Ademais, ela elogiou o filme 'Elvis', dirigido por Baz Luhrmann e lançado em 2022, disponível na HBO Max, em que acompanhamos um Elvis controlado por seu empresário "Coronel" Tom Parker, o que o leva a uma carreira extenuante e uma morte precoce aos 42 anos. Nele, Lisa Marie afirma, seu pai teria sido retratado da maneira correta. A resposta de Coppola foi certeira: ela quer que as pessoas decidam por si mesmas se Elvis foi um vilão na história de Priscilla. Além disso, o fato de que Coppola se inspirou no livro escrito por Priscilla, que é ela própria uma das produtoras executivas do filme, nos leva a considerar que sim, a faceta de Elvis retratada em Priscilla é real. Obviamente, podendo ser apenas uma das facetas do cantor, que não poderia ser resumido à visão que Priscilla tinha dele, pois sua história de vida possui nuances.
Dentre as cenas do filme, muitas delas feitas a partir de relatos de Priscilla em seu livro, vemos a opinião de Elvis sobre o que ele entendia ser o papel das mulheres, ou melhor, de "sua mulher". Ele afirma reiteradamente que Priscilla precisava estar disponível para ele constantemente. Quando ela telefona para Elvis — que passava longos períodos na estrada deixando-a em casa com seu pai e pessoas que trabalhavam para ele — e pede para trabalhar meio período numa loja, ele responde que não era isso o que ele precisava de uma mulher. O filme também aborda episódios de abuso físico, para além dos abusos psicológicos e emocionais que Priscilla sofria. Numa cena em específico, em que vemos vários dias representados na passagem de frames mais curtos, de repente Elvis se irrita com uma atitude de Priscilla, que o leva a agredi-la, ao que ele pede desculpas reiteradamente e o medo é perceptível no rosto da personagem principal. Em outra cena, Elvis atira uma cadeira numa parede próxima de onde Priscilla estava, ao que podemos observar o medo no rosto da personagem.
Certamente é possível apreciar ambos os filmes, 'Priscilla' e 'Elvis', para que possamos nos aproximar de uma imagem mais concreta do que foi a vida do casal. Mas 'Priscilla' é mágico não apenas por sua cinematografia, que consagra o estilo de Coppola e acrescenta mais um belo filme a sua obra. Ele é mágico e importante porque nos permite acompanhar de perto a forma como se consolida um relacionamento que cerceia a autonomia e a individualidade de uma mulher. É inegável que Priscilla tenha amado Elvis. Porém, também é inegável que o amor por si mesmo não é suficiente para a construção de um vínculo que permita que ambos os sujeitos se constituam enquanto tal, com agência e um senso de si próprios, de quem são quando não estão na presença do outro. Priscilla se vestia como Elvis queria; ela agia como ele queria; ela reagia como ele queria. Coppola captou bem essa dinâmica e nos deu ferramentas, através da arte, para refletirmos sobre a forma como nos situamos em nossas relações amorosas e como a dependência emocional pode nos limitar. Por isso a cena final de Priscilla no carro, num plano lateral que acompanha suas expressões enquanto ela dirige para fora de Graceland, nos diz muito, sem que a personagem diga uma só palavra. Ela vai embora para que possa se encontrar.
Comments